ERA DOS IMPÉRIOS

 A Revolução Centenária

O norte-americano Peary chegaria primeiro ao Polo Norte, em 1909, vencendo neste desafio seus competidores britânico e escandinavo; o norueguês Amundsen atingiu o Polo Sul em 1911, um mês antes do desafortunado britânico capitão Scott.

Com a conclusão da ferrovia Transiberiana, em 1904, seria possível viajar de Paris a Vladivostok em 15 ou 16 dias. Com o telegrafo elétrico, a transmissão de informações ao redor do mundo era agora uma questão de horas.

Não deve ser um equivoco supor que os cerca de 1,5 bilhão de seres humanos vivos nos anos de 1880 representavam o dobro da população mundial dos anos 1780. Os mais numerosos eram de longe os asiáticos com quase dois terços dos homens em 1800. No ano de 1900 talvez fossem 55% da humanidade. O segundo maior grupo era dos europeus, com 430 milhões em 1900. A mudança mais drástica da população mundial foi o aumento da população nas Américas de cerca de 30 para 160 milhões entre 1800 e 1900. A América do Norte passou de 7 para mais de 80 milhões.

Uma estimativa recente calcula que, entre 1750 e 1800, o produto nacional bruto por cabeça nos países hoje conhecidos como “desenvolvidos” era basicamente o mesmo que na região agora conhecida como “Terceiro Mundo”. Pelos anos 1880, a renda por cabeça dos desenvolvidos era cerca do dobro da do Terceiro Mundo; em 1913 seria mais que o triplo, e continuava aumentando. Em torno de 1950, era de um pra cinco; em 1970 de 1 para 7.

Nos anos 1880, a Europa, além de ser o centro original de desenvolvimento capitalista que dominava e transformava o mundo, era, de longe, a peça mais importante da economia mundial e da sociedade burguesa. Nunca houve na história um século mais europeu, nem tornará a haver.

Embora a posição futura da América como superpotência econômica mundial já estivesse assegurada pelo ritmo e pelo ímpeto de sua industrialização, o produto industrial europeu ainda era o dobro do que o americano, e os principais avanços tecnológicos ainda provinham basicamente do Velho Continente.

Apenas em seis países europeus a agricultura empregava menos que a maioria-normalmente ampla maioria– da população masculina: Bélgica, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Holanda e Suíça. Entretanto, era só na Grã-Bretanha que a agricultura ocupava uma ínfima minoria de cerca de um sexto; nos outros países empregava entre 30% e 45%.

Uma economia mudando de marcha

A Grã-Bretanha era de longe o maior mercado comprador das exportações de produtos primários do mundo, e dominava- pode-se até dizer que constituía- o mercado mundial de alguns deles, como o açúcar de cana, o chá e o trigo, dos quais ela foi responsável, em 1880, pela metade do total comercializado internacionalmente. Em 1881, a Grã-Bretanha comprou quase a metade de toda carne exportada no mundo e muito mais lã e algodão (55% das importações europeias) que qualquer outro país.

Os historiadores da economia têm centrado sua atenção em dois aspectos da era: a redistribuição do poder e da iniciativa econômica, quer dizer, o relativo declínio britânico e o relativo- e absoluto- avanço dos EUA e, sobretudo da Alemanha. E o problema das flutuações longas e curtas, as ondas de Kondratiev, cujo movimento ascendente e descendente cortou o período ao meio.

Em principio, não é, de fato, surpreendente que a Alemanha, com sua população aumentando de 45 a 65 milhões, tivesse alcançado a Grã-Bretanha, territorialmente menor e menos populosa. No entanto, isto não torna o triunfo da exportação industrial alemã menos impressionante.

O pluralismo crescente da economia mundial ficou, até certo ponto, oculto por sua persistente, e na verdade, crescente dependência dos serviços financeiros, comerciais e da frota mercante da Grã-Bretanha. Esta sozinha detinha 44% dos investimentos ultramarinos mundiais. Em 1914, a frota britânica de navios a vapor era, sozinha, 12% maior que a totalidade das frotas mercantes de todos os países europeus reunidos.

A terceira característica da economia mundial é a que mais salta os olhos: a revolução tecnológica. Foi o tempo do telefone, do telegrafo sem fio, o fonografo e o cinema, o automóvel e o avião passam a fazer parte da vida moderna.

A quarta característica foi a dupla transformação da empresa capitalista: em sua estrutura e modo operante. Temos a concentração de capital, o aumento de escala, que levou a distinção entre empresa e grande empresa. Por outro lado, houve uma tentativa sistemática de racionalizar a produção e a direção das empresas aplicando “métodos científicos”, não apenas à tecnologia, mas também a organização e aos cálculos.

A quinta característica foi uma transformação excepcional do mercado de bens de consumo: uma mudança tanto quantitativa quanto qualitativa. O mercado de massa, antes quase restrito a alimentação e vestuário, começaram a diversificar-se em direção a indústria de bens de consumo.

A sexta característica da economia foi o crescimento acentuado do setor terciário da economia, seja o público ou privado. E a ultima característica da economia a ser destacado; é a crescente convergência da politica e da economia, ou seja, o papel cada vez maior do governo e do setor público, que para os ideólogos da persuasão liberal consideravam como o avanço ameaçador do “coletivismo” à custa da velha, boa e vigorosa iniciativa individual ou voluntária.

Impérios

As vitimas deste processo foram, até certo ponto, os antigos impérios europeus pré-industriais sobreviventes da Espanha e Portugal, o primeiro mais que o segundo, apesar das tentativas de estender o território sob seu controle no noroeste africano. A maioria dos grandes impérios tradicionais da Ásia permaneceu independente. Sua autonomia dependia de sua utilidade como estados tampão (como o Sião- atual Tailândia- que, separava às zonas britânica e francesa no sudeste asiático, ou do Afeganistão, que separava a Grã-Bretanha da Rússia). Somente a Etiópia resistiu com êxito ao mais fraco dos estados imperialistas: a Itália.

A Inglaterra aumentou seus territórios em cerca de 10 milhões de quilômetros quadrados, a França em cerca de 9, a Alemanha conquistou mais de 2 milhões e meio. As antigas colônias africanas de Portugal se ampliaram em cerca de 750 mil quilômetros quadrados.

Os americanos e alemães importavam café em quantidades cada vez mais espetaculares, notadamente da América Latina. No inicio do século XX, as famílias de Nova York consumiam meio quilo de café por semana. A exceção dos EUA, mesmo as colônias de povoamento branco fracassaram em sua industrialização (nesta época).

O “novo Imperialismo” foi subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre varias economias industriais concorrentes, intensificada pela pressão econômica os anos 1880.

É importante recordar que, globalmente falando, a Índia era o cerne da estratégia britânica e que está exigia o controle não apenas das rotas marítimas curtas (Egito, Oriente Médio, Mar Vermelho, Golfo Pérsico e Arábia do Sul) e Longas (Cabo da Boa Esperança e Cingapura) para o subcontinente, mas de todo Oceano Indico inclusive. A importância econômica da Índia para a economia do Reino Unido chegou ao auge neste período. Até 60% das exportações britânicas de algodão iam para a Índia e o Extremo Oriente, principalmente para a Índia (só para ela foram 40-45%), e o balanço de pagamentos internacional da Grã-Bretanha dependia do superávit propiciado pela Índia.

Não há dúvida de que todos os políticos eram perfeitamente conscientes dos benefícios potenciais do imperialismo. De forma mais geral, o imperialismo encorajou as massas, e, sobretudo as potencialmente descontentes, a se identificarem ao Estado e à nação imperiais, outorgando assim, inconscientemente, ao sistema politico e social representado por esse Estado justificação e legitimidade.

A esquerda secular era contraria ao imperialismo em seus princípios e frequentemente em sua prática. A liberdade para a Índia, como a liberdade para o Egito e a Irlanda, era o objetivo do movimento trabalhista britânico.

Gandhi ilustra bem o impacto especifico da Era do Imperialismo. Nascido numa modesta casta de comerciantes e prestamistas, anteriormente não muito associada à elite ocidentalizada, que administrava a Índia sob a direção de superiores britânicos, ele adquiriu uma educação politica e profissional na Inglaterra. Assim sendo, o mais poderoso legado cultural do imperialismo foi uma educação em moldes ocidentais para minorias dos vários tipos: para os poucos favorecidos que se alfabetizaram, descobrindo o caminho mais direto para a ambição.

Por volta de 1890, pouco mais de 6 mil funcionários britânicos governavam quase 300 milhões de indianos, com ajuda de pouco mais de 70 mil efetivos europeus, cujos soldados rasos eram em sua maioria irlandeses mercenários.

A politica da democracia

Sistemas eleitorais baseados em amplo direito ao voto e, às vezes, teoricamente, até no sufrágio universal masculino, já existiam na França e na Alemanha em 1870. Bem como na Suíça e na Dinamarca. Na Inglaterra, as leis da reforma de 1867 e 1883 quase quadruplicaram o eleitorado, que se elevou de 8% a 29% para os homens de mais de 20 anos. A politica democrática não podia mais ser protelada. Dai em diante, o problema foi manipulá-la. Era possível, por exemplo, limitar estritamente o papel politico das assembleias eleitas pelo sufrágio universal. Esse era o modelo de Bismarck, no qual os direitos constitucionais do Parlamento alemão eram mínimos. Em outros países, câmaras secundarias, às vezes compostas de membros hereditários, como na Inglaterra, votavam e influenciavam por meio de colégios eleitorais especiais, pondo freios às assembleias democráticas.

Outro expediente era a manipulação de distritos eleitorais com o objetivo de maximizar ou minimizar o apoio a determinado partido. A consequência lógica dos sistemas de votação em massa era a mobilização politica popular para por meio destas pressionar o governo nacional.

A partir da década de 1880, a antissemitismo tornou-se um dos mais importantes componentes dos movimentos políticos organizados de “homens pequenos”, desde as fronteiras ocidentais da Alemanha até à Rússia e a Romênia.

A politica, os partidos e as eleições faziam parte daquele deplorável século XIX, que Roma tentara proscrever, desde o Syllabus e o Concilio do Vaticano de 1870. A Igreja permaneceu absolutamente irreconciliada com seu tempo. A Igreja resistia à formação de partidos políticos formalmente apoiados por ela, ainda que tenha reconhecido, desde os princípios da década de 1890, que seria desejável retirar a classes operárias da revolução socialista.

A Igreja, portanto, costumava apoiar partidos conservadores de vários tipos, ou, em nações católicas subordinadas no interior de Estados multinacionais, mantinha-se em boas relações com movimentos nacionalistas não contaminados pelo vírus secular. No Ocidente a religião parecia ter perdido a capacidade de se transformar em teocracia, e de certo nem o pretendia fazer. O que as igrejas vitoriosas estabeleciam, pelo menos no mundo cristão, eram regimes clericais operados por instituições seculares.

As classes dirigentes tinham como alvo principal o movimento operário e o socialista, que de repente emergira internacionalmente como fenômeno de massas por volta de 1890. Com referencia aos católicos, exceto quando identificados com algum nacionalismo autonomista, eram relativamente fáceis de ser integrados, visto serem socialmente conservadores- o que vale mesmo para os raros partidos social-cristãos, como o de Lueger. Alias, eles costumavam contentar-se com a salvaguarda de interesses especificamente eclesiásticos.

Por volta de 1900, porem, ficou claro o aparecimento de uma ala moderada ou reformista em todos os movimentos socialistas de massas; de fato, mesmo entre os marxistas, ela encontrou seu ideólogo em Eduard Bernstein.

Exceto na Alemanha, tais esquemas de Bem-Estar social eram modestos até os últimos anos que precederam 1914, e mesmo na Alemanha malograram visivelmente na tentativa de sustar o crescimento do partido socialista. Não obstante, ficou estabelecida uma tendência neste sentido, notadamente mais acelerada nos países protestantes da Europa.

As elites governantes dos EUA, encabeçadas por Theodore Roosevelt, presidente no período de 1901/1909, acabavam de descobrir o caubói inseparável de seu revolver como símbolo do verdadeiro americanismo, da liberdade e da tradição branca nativa contra a horda invasora de imigrantes das classes baixas.

As coroações inglesas passaram a ser organizadas de modo consciente, como operações politico- ideológicas, com o fim de serem vistas pelas massas.

Os partidos socialistas que aceitaram a guerra com frequência o fizeram sem entusiasmo e principalmente por temerem o abandono de seus adeptos. Na Inglaterra, onde inexistia alistamento compulsório, 2 milhões se apresentaram como voluntários para o serviço militar, entre agosto de 1914 e junho de 1915– uma melancólica prova do êxito da politica de integração democrática.

Se Marx e Engels viam com bons olhos a republica democrática (seria a antessala do socialismo), nas vésperas da I Guerra Mundial, seus discípulos como Lenin pensavam diferente. Segundo este último a república democrática era a melhor carapaça possível para o capitalismo.

Trabalhadores do mundo

A máquina e as fábricas tiravam a base de massas consideráveis de trabalhadores que, até fins do século XIX, produziam os mais variados bens de consumo urbano-roupas, calçados, móveis e assemelhados- por métodos artesanais. Em fins do XIX, cerca de dois terços da população ocupada das grandes cidades de mais de 100 mil habitantes trabalhavam na indústria.

Onde quer que a politica democrática e eleitoral o permitisse, apareciam em cena, crescendo com rapidez assustadora, os partidos vindos da classe operaria, em sua maior parte inspirados na ideologia do socialismo revolucionário. Eram, na realidade, minorias, mas em alguns Estados, notadamente na Alemanha e na Escandinávia, eram os maiores partidos nacionais, detendo até 35-40% do voto.

As diferenças de nacionalidade, religião e língua dividiam o operariado. O caso da Irlanda é tragicamente familiar. Mesmo na Alemanha, os operários católicos resistiam ao apelo da socialdemocracia muito mais que os protestantes; e na Boêmia, os operários tchecos resistiam à integração proposta em um movimento pan-austríaco dominado por operários de idioma alemão.

E se a muito discutida crise do setor artesanal tradicional empurrou alguns grupos de mestres-artesãos para a direita radical, anticapitalista e antiproletária, como aconteceu na Alemanha, poderia igualmente, como na França, intensificar lhes o jacobinismo anticapitalista ou o radicalismo republicano. Na Inglaterra, o novo fenômeno que eram os conflitos trabalhistas organizados nacionalmente surgiu pela primeira vez na década de 1890, enquanto o espectro da greve nacional dos transportes e dos mineiros de carvão concretizava-se na década de 1900.

O primeiro grande avanço de organização politica operaria ocorreu entre o final da década de1880 e os primeiros anos de 1890, marcadas, ambas, pela reinstituição de uma Internacional dos Trabalhadores (a “Segunda” para distinguir da Internacional de Marx de 1864-1872). Foram estes anos que trouxeram em numero significativo os socialistas aos parlamentos de diversos países.  Na Alemanha onde o partido já era forte ele mais que dobrou entre 1887 e 1893.

O que era, pois este movimento que em casos extremos poderia finalmente vir a coincidir com a classe? Em toda parte ele incluía a mais básica e universal organização dos trabalhadores: o sindicato, embora sob formas diferentes e força variável. Exceto no mundo ibérico, sempre defasado em relação demais desenvolvimentos europeus, o anarquismo jamais foi ideologia majoritária em parte nenhuma da Europa, nem mesmo de movimentos operários fracos. Salvo nos países latinos, e na Rússia, o anarquismo era politicamente sem importância. 

A grande maioria desses partidos operários, exceto o caso australiano, anteviam mudanças fundamentais na sociedade. Entre 1905 e 1914, o típico revolucionário ocidental era provavelmente uma espécie de sindicalista revolucionário que, paradoxalmente rejeitava o marxismo como ideologia de partidos que faziam uso dele como pretexto para não tentar a revolução. Todos eles acreditavam de modo igual, na luta da razão contra a ignorância e a superstição (o clericalismo); na luta do progresso contra o sombrio passado; na ciência, na educação, na democracia e na trindade secular Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

O que mantinha os novos partidos comprometidos com a completa revolução da sociedade, não era decerto a incapacidade de o capitalismo lhes oferecer melhoria. Os partidos socialistas beneficiavam-se, de modo mais claro, de seus status de intransigentes adversários dos ricos. Em terceiro lugar, os partidos socialistas eram, quase por definição, dedicados àquele conceito-chave do século XIX, o “progresso”. Não maculados pela contaminação das classes dominantes, poderiam atrair nações oprimidas nos impérios multinacionais, e estas talvez viessem a se manifestar sob a bandeira vermelha, à qual emprestariam um matiz distintamente nacional.

Nações e nacionalismos

A palavra “nacionalismo” veio a ser igualmente utilizada para todos os movimentos que consideravam a “causa nacional” como de primordial importância politica: mais exatamente, para todos os que exigiam o direito à autodeterminação, ou seja, em ultima análise, o direito de formar um Estado independente, destinado a algum grupo nacional especifico.

Devemos mencionar quatro aspectos da mutação dos movimentos nacionalistas. Em primeiro, conforme já citado anteriormente, é o surgimento do nacionalismo e do patriotismo, como ideologia encampada pela direita política. O segundo é pressuposição, absolutamente alheia à fase liberal dos movimentos nacionais, de que a autodeterminação nacional, até e inclusive a formação de Estados soberanos, aplicava-se a todo e qualquer grupo que reivindicasse o título de “nação”.

O terceiro era a tendência progressiva para admitir que a “autodeterminação nacional” não podia ser satisfeita por qualquer forma de autonomia inferior à plena independência do Estado. Finalmente, havia a nova tendência em definir uma nação em termos étnicos e especialmente em termos de linguagem.

Com o declínio das verdadeiras comunidades às quais as pessoas estavam habituadas- aldeia, família, paroquia, guilda, confraria e outras coisas-, por não mais abrangerem, como haviam feito um dia, a maioria das contingencias da vida das pessoas, seus membros sentiram necessidade deque algo lhes tomasse o lugar. A comunidade imaginária da “nação” poderia preencher este vácuo. O Estado não só fazia a nação, mas precisava fazer a nação. Os governos, agora, alcançariam diretamente o cidadão no território de sua vida cotidiana, por meio de agentes modestos mais onipresentes, desde carteiros e policiais até professores e, em muitos países, empregados de estradas de ferro. A nação era a nova religião cívica dos Estados.

O que era decepcionante para os tradicionalistas nacionalistas era que a mais tradicionalista das classes, os camponeses, demonstrassem apenas um débil interesse pelo nacionalismo. Os camponeses da língua basca aparentavam pouco interesse pelo Partido Nacional Basco, fundado em 1894. Para a classe media baixa, ascendendo a partir de um ambiente popular, a carreira e a língua vernácula estavam inseparavelmente ligadas. O nacionalismo linguístico possuía uma propensão estrutural para a secessão.

A xenofobia tinha uma atração imediata para os comerciantes, para os artesãos independentes e para alguns lavradores ameaçados pelo progresso da economia industrial, especialmente durante os difíceis anos da Depressão, O estrangeiro veio simbolizar a desintegração dos antigos costumes e o sistema capitalista que os desintegrava.

Foi o momento em que as bandeiras do patriotismo se tornaram de tal modo propriedade da direita politica, que a esquerda achava difícil empunha-las, mesmo nos casos em que o patriotismo identificava-se firmemente com a revolução e a causa do povo, como a tricolor francesa.

Os movimentos que receberam genuíno apoio das massas, em nossa época– e nem todos os que o desejaram realmente o conseguiram- foram, quase invariavelmente, aqueles que combinaram a atração da nacionalidade e da língua com algum interesse ou força mobilizadora mais poderosa, antiga ou moderna. A fé era uma delas. Sem a Igreja Católica, o movimento flamengo e o basco teriam sido politicamente desprezíveis e ninguém duvida que o catolicismo dessa consistência e força de massa ao nacionalismo dos irlandeses e poloneses, dirigidos por governantes de outra religião.

O Império Habsburgo ilustra bem as limitações do nacionalismo. Embora, no começo da década de 1900, a maioria do povo estivesse inquestionavelmente consciente de que pertencia a uma nacionalidade ou outra, poucas pessoas achavam isto incompatível com o apoio à monarquia austríaca.

A propaganda doméstica dos beligerantes em 1914 demonstra que o assunto a ser sublinhado não era gloria e nem a conquista, mas o fato de “nós” sermos vitimas de agressão, ou de política agressiva, o de “eles” representarem uma ameaça mortal aos valores da liberdade e da civilização que “nós” representávamos. O governo inglês e o francês, portanto, alegavam a defesa da democracia e da liberdade, contra o poder monárquico, o militarismo e o barbarismo, enquanto o governo alemão reivindicava a defesa dos valores da ordem, da lei e da cultura, contra a autocracia e o barbarismo russos.

Incertezas da burguesia

Uma das razões pelas emergiu o Partido Trabalhista, após 1900, é terem-se recusado os homens influentes dos distritos eleitorais da classe operaria, isto é, a burguesia local, a abrir mão do direito de nomear os “notáveis” do local (ou seja, gente igual a eles próprios) para o Parlamento e o conselho, na década de 1890.

Grande parte da burguesia do final do século XIX consistia na “classe ociosa”, nome inventado a esta altura por um sociólogo americano apartidário. Temos um afrouxamento das estruturas da família burguesa, refletida em uma definida emancipação feminina.

A sociologia como disciplina acadêmica era um produto do período de 1870-1914, sofre ainda as consequências dos inconclusivos e constantes debates sobre classe e status social.

Os aristocratas perfaziam a maioria nos gabinetes ministeriais ingleses, antes de 1895. Após esta data, jamais o tornariam a ser. Os títulos de nobreza estavam longe de ser desprezados, mesmo em países que oficialmente não os reconheciam.

A “antiga” classe media baixa ou pequena burguesia de artesãos independentes, pequenos lojistas e seus semelhantes. Por sua escala de atuação os situava firmemente em um nível mais baixo e mesmo em oposição à burguesia. Seus inimigos eram o grande capital, a grande indústria, os bancos e os grandes negociantes.

As burguesias de fins do século XIX eram, portanto, uma estranha combinação de sociedades fechadas, mas educacionalmente abertas: abertas, por ser a entrada franqueada em virtude do dinheiro, ou mesmo (por meio de bolsas de estudo e outras providencias destinadas a estudantes pobres) do mérito, mas fechadas, na medida em que era claramente dado a entender que alguns círculos eram consideravelmente mais iguais que outros.

A escola era a escada pela qual os filhos dos membros mais modestos do estrato intermediário passavam para o alto; pois até nos sistemas educacionalmente mais meritocráticos, poucos eram os filhos de verdadeiros camponeses, e menos ainda os de operários, que passavam além dos degraus mais baixos.

A nova mulher

De 1875 em diante as mulheres do mundo desenvolvido visivelmente começaram a ter menos filhos. No Ocidente, o declínio das taxas de natalidade e de mortalidade eram bem mais coordenados. Ambos, evidentemente, afetavam a vida e os sentimentos das mulheres- uma vez que o mais notável desenvolvimento relativo à mortalidade era a queda acentuada da mortalidade dos bebes de menos de um ano.

À proporção que eram excluídas as ocupações tradicionalmente protoindustriais- tecelagem em tear manual, tricotagem etc.- a maioria das indústrias domésticas deixou de ser um empreendimento de família e tornou-se apenas um tipo de trabalho mal pago que as mulheres podiam fazer em casa.

O fato de uma mulher não precisar trabalhar era a prova visível, perante a sociedade, de que a família não estava pauperizada. Tudo conspirava para tornar dependente a mulher casada. As mulheres quase sempre trabalhavam antes de casar.

As Igrejas, lutando numa poderosa ação ode retaguarda contra o “progresso” do século XIX, defendiam os direitos, tais como já os possuíam as mulheres na ordem tradicional da sociedade, e com zelo tanto maior, visto que o conjunto de fieis e, sob certos aspectos, seu próprio pessoal, estava se tornando surpreendentemente feminino: em fins do século, quase certamente, havia muito mais religiosas profissionais do que em qualquer outro tempo, desde a Idade Média. A Igreja deu incentivo notável ao culto da Virgem Maria. Nos países católicos, a Igreja ofereceu armas poderosas, e rancorosas, às esposas contra os maridos. Muito do anticlericalismo, portanto, adquiriu um matiz de hostilidade antifeminina, como na França e na Itália.

Poderia ser dito que, um século após Napoleão, os Direitos do Homem da Revolução Francesa haviam sido concedidos às mulheres. As mulheres estavam às vésperas de conseguir igualdade de direitos de cidadania e, embora de modo reduzido e estreito, abriam-se carreiras tanto para seus talentos quanto para os homens.

As artes transformadas

Entre 1870 e 1914 tanto as artes criativas como seu público perderam as referencias. A reação das primeiras a esta situação foi um salto para frente rumo à inovação e à experimentação. O público, salvo os conquistados pela moda e pelo esnobismo, murmurava defensivamente que “não entendia de arte, mas sabia do que gostava”, ou se refugiava na esfera das obras “clássicas”.

O tradicional terreno da cultura erudita estava minado pelo fato das artes terem sido revolucionadas pela combinação da tecnologia com a descoberta do mercado de massas. O cinema, a inovação mais extraordinária nessa área, juntamente com o jazz e seus vários descendentes, ainda não triunfara, mas em 1914 já estava muito presente e pronto para conquistar o mundo.

É difícil engar que Pablo Picasso, homem de gênio extraordinário e vasta produtividade, é admirado, sobretudo como um fenômeno mais do que pela força de influência ou mesmo por nossa simples fruição de seu trabalho.

As raízes britânicas do “modernismo” que levou à Bauhaus foram paradoxalmente góticas. O modelo de sociedade da Idade Média parecia mais satisfatório tanto do ponto de vista social como artístico.

As ciências

A transformação era de dois tipos. Intelectualmente, implicava o fim da compreensão do universo na imagem do arquiteto ou do engenheiro: um edifício ainda inacabado, mas cujo termino não tardaria muito. Para o mundo burguês triunfante, o gigantesco mecanismo estático do universo, herdado do século XVII e, desde então, ampliado por extensão a novos campos, produzia não apenas permanência e previsibilidade, mas também transformação. Produziu a evolução (que podia ser facilmente identificada com o progresso secular, ao menos nos assuntos humanos). Foi este modelo do universo e a maneira de a mente humana compreendê-lo que agora falia.

G. H Hardy, matemático puro especializado em teoria de números, contribuiu com um teorema que é a base da genética populacional moderna (a Lei de Hardy- Weinberg).

Os ideólogos de esquerda rejeitavam a Relatividade por considera-la incompatível com sua própria ideia de ciência e os de direita a condenaram como judia.

Não havia evidencia da existência do éter-algo elástico, rígido, incompreensível e livre de atrito que, acreditava-se, enchia o universo- mas ele tinha que existir, no contexto de uma imagem de mundo essencialmente mecânico.

Em suma o que tornou a revolução na física tão revolucionária não foi a descoberta de novos fatos, embora isto tenha, por certo, ocorrido, mas a relutância dos físicos em reconsiderar seus paradigmas. As inteligências sofisticadas não souberam reconhecer que o rei estava nu e passavam o tempo inventando teorias para explicar porque suas roupas eram tão esplendidas quanto invisíveis.

Uma parte substancial do ímpeto do desenvolvimento da bacteriologia e da imunologia foi em função do imperialismo, pois os impérios ofereciam um forte incentivo ao controle de doenças tropicais, como a malária e a febre amarela, que prejudicavam as atividades dos homens brancos nas regiões coloniais.

Universidades, academias técnicas, indústrias e governo estavam longe de coordenar seus interesses e esforços. Instituições de pesquisa financiadas pelo governo começavam, de fato, surgir, mas não se podem dizer que estivessem avançadas: a Kaiser Wilhelm, que financiava e coordenava a pesquisa fundamental, só foi criada em 1911.

As evidentes vinculações entre biologia e ideologia são, de fato, particularmente evidentes no intercâmbio entre a “eugenia”, que praticamente veio à luz por volta de 1900, sendo batizada pouco depois por Wiliam Bateson.

A inovação mais importante que, junto com a genética mendeliana, restaurou um “darwinismo” marcadamente modificado em sua posição de teoria cientificamente ortodoxa da evolução biológica, foi à incorporação à teoria de Darwin de imprevisíveis e descontínuos “saltos”, bizarros e originais, em sua maioria inviável, mas tendo, ocasionalmente, vantagens evolutivas potenciais sobre as quais operaria a seleção natural. Foram chamadas de “mutações” por Hugo de Vries.

Uma pista da transformação já foi sugerida. Era mais negativa que positiva, na medida em que substituía o que fora considerado, com ou sem razão, como uma visão científica de mundo coerente e potencialmente abrangente, onde razão e intuição não se contrapunham por uma alternativa que não lhe era equivalente. Como vimos os próprios teóricos estavam desorientados e confusos. Nem Planck nem Einstein estavam preparados para desistir do universo racional, causal e determinista para cuja destruição seus trabalhos tanto colaboraram.

A história intelectual das décadas após 1875 é repleta do sentimento de expectativas não apenas logradas- mas de certa forma, estavam se transformando em seu oposto. A democracia produziu o socialismo, a submersão fatal do gênio pela mediocridade, da força pela fraqueza- uma tecla em que também os eugenistas bateram, contudo de forma mais prosaica e positivista.

Dos primeiros 76 ganhadores do premio Nobel, só dez não eram da Alemanha, Grã-Bretanha, França, Escandinávia, Países Baixos, Áustria- Hungria ou Suíça. Apenas três eram mediterrâneos, dois da Rússia e três da comunidade cientifica dos EUA, em crescimento acelerado, porém ainda secundário.

Razão e Sociedade

A prova mais impressionante desse avanço do evangelho simples da ciência e da razão foi o recuo dramático da religião tradicional, ao menos no centro dos países europeus de sociedade burguesa. O que não quer dizer que a maioria das pessoas da espécie humana estivesse prestes a se tornar “livre-pensadora”.

O anticlericalismo se tornou um problema central da politica dos países católicos por duas razões principais: porque a Igreja Católica optara por uma rejeição total da ideologia da razão e do progresso, podendo, ser identificada somente à direita politica, e porque a luta contra a superstição e o obscurantismo, mais que dividir capitalistas e proletários, uniu a burguesia liberal e a classe trabalhadora.

Rumo à Revolução

Os quinze anos entre 1899 e 1914 foram a belle époque não só por terem sido prósperos- e a vida era incrivelmente atraente para os que tinham dinheiro e dourada para os ricos-, mas também porque os dirigentes da maioria dos países ocidentais, embora preocupados talvez com o futuro, não estavam com medo do presente. Suas sociedades e regimes pareciam, de maneira geral, administráveis.

No caso Otomano, por exemplo, a própria guerra mundial só foi mais um episodio de uma serie de conflitos militares que já haviam começado alguns anos antes. Após 1917, ficou claro que até os países prósperos e estáveis da sociedade burguesa ocidental teriam, de um modo ou de outro, sido atingidos pelos levantes revolucionários globais que começaram na periferia do sistema mundial, único e interdependente, que esta sociedade criara.

O século burguês desestabilizou a periferia de dois modos principais: solapando as antigas estruturas de suas economias e sociedades e tornando inviáveis sues regimes e instituições politicas estabelecidas. A zona atingida pelo terremoto politico global de 1900-1914 foi, sobretudo o grande cinturão geográfico de antigos impérios, alguns deles datando das brumas da antiguidade, que se estendiam da China, a leste, ao Habsburgo, e talvez Marrocos, a oeste.

Pelos padrões dos impérios e Estados-nações ocidentais, essas estruturas politicas arcaicas eram frágeis, obsoletas e, como diriam muitos partidários do darwinismo social, fadadas a desaparecer. Seu colapso propiciou as condições para as revoluções de 1910-1914. Na Europa foi o cenário para eclosão da I Guerra Mundial e da Revolução Russa. Os impérios que caíram estavam entre as forças politicas mais antigas da História.

O problema dos impérios obsoletos da Europa era que estavam simultaneamente em dois campos: avançado e atrasado, forte e fraco, lobo e cordeiro. Os impérios antigos estavam apenas no das vítimas.

No Marrocos, o governo do sultão tentou com pouquíssimo sucesso ampliar a área sob sua administração e estabelecer uma espécie de controle efetivo sobre o mundo anárquico e terrível das tribos guerreiras berberes.

A politica iraniana já encerrava as três forças cuja conjunção acarretaria uma revolução ainda maior em 1979: os intelectuais emancipados e ocidentalizados, com aguda consciência da fraqueza do país e da injustiça social nele reinante; os comerciantes do mercado (bazar) com aguda consciência da concorrência econômica estrangeira; e a coletividade do clero mulçumano, representado pelo ramo Shia do Islã, que servia como uma espécie de religião nacional persa, capaz de mobilizar as massas tradicionais.

O fato de nenhum outro poder imperialista ter reais condições de desafiar a Grã- Bretanha e a Rússia provavelmente salvou a existência da Pérsia como Estado e a de sua monarquia, que detinha pouco poder próprio: uma brigada de cossacos, cujo comandante se autoproclamou, no fim da I Guerra Mundial, o fundador da última dinastia imperial, os Pahlevi (1921-1979).

O Marrocos teve menos sorte; foi considerado uma presa adequada pela França, Grã-Bretanha, Alemanha e Espanha que dividiram o país entre si, sendo que os interesses britânicos eram preservados por meio de um porto livre em Tanger.

Existiam na China três forças principais de resistência. A primeira, a instituição imperial da corte e dos servidores civis confuncianos, reconheceu com toda clareza que só a modernização segundo o modelo ocidental (o modelo japonês inspirado no Ocidente), poderia preservar a China. Mas isto teria significado a destruição precisamente do sistema moral e politico que eles representavam. A segunda, a antiga e poderosa tradição de rebelião popular e de sociedades secretas impregnadas de ideologias de oposição, não perdera nada de seu vigor. A assim chamada Guerra dos Boxers de 1900 foi, na verdade, um movimento de massas, cuja vanguarda era a organização Lutadores- com- os- punhos pela Justiça e a Unidade, oriunda da grande e antiga sociedade secreta budista conhecida como Lótus Branco.

A base para as transformações só existia, embora estreita e instável, no sul da China, onde os negócios e o comercio sempre haviam sido importantes e onde o imperialismo estrangeiro assentou as bases para algum desenvolvimento burguês autóctone. As relações entre as sociedades secretas e o jovem movimento sulista de revolucionários republicanos, dos quais emergiria Sun Yat-sem como principal inspirador da 1º fase da revolução foram objeto de muito debate e incerteza, mas não restam duvidas de eram muito próximas e essenciais.

O Império Otomano há muito já vinha desmoronando, embora, ao contrário de todos os impérios antigos, continuasse sendo uma força militar capaz de dar bastante trabalho até aos exércitos das grandes nações. Em 1900, era claro que tudo que ficava entre a fronteira ocidental do Egito e do Sudão e o Golfo Persico provavelmente viria a ser área de influência ou domínio britânico, salvo a Síria a partir do norte do Líbano, que a França reivindicava. De fato, em 1914 a Turquia desapareceu quase por completo da Europa, fora totalmente eliminada da África e conserva um império débil apenas no Oriente Médio, onde não sobreviveu à guerra mundial.

O Comitê para União e o Progresso, mais conhecido como os Jovens Turcos, que tomou o poder em 1908 na esteira da Revolução Russa, desejava implantar um patriotismo que abarcasse todos os otomanos, passando por cima de divisões étnicas, linguísticas e religiosas. A versão do Iluminismo que mais os agradava se inspirava no Positivismo de Auguste Comte, que combinava uma fé cega na ciência e na modernização inevitável como o equivalente secular da religião, o progresso não democrático.

Neste sentido, como em outros, a Revolução Turca de 1908 fracassou. Na verdade, ela acelerou a derrocada do que restava do Império Turco, ao mesmo tempo em que carregava o Estado com uma constituição liberal clássica. A Turquia optaria, após 1915, por uma nação etnicamente homogênea, o que implicou a assimilação forçada dos gregos, armênios curdos e outros que não foram expulsos ou massacrados.

Entre os Jovens Turcos a balança pendeu não do lado dos modernizadores partidários da ocidentalização e da transnacionalização, mas para o dos modernizadores também ocidentalizados, porém defensores de uma enfatização da etnia ou mesmo da raça. A fraqueza da Revolução Turca, observável em sua economia, residia em sua incapacidade de se impor à grande massa da população rural turca ou mudar a estrutura da sociedade agrária.

A semi-independencia da Irlanda e a semiautonomia do Egito, ambas ganhas em 1921-1922, marcariam o primeiro recuo parcial dos impérios. O movimento de libertação era muito mais sério na Índia. Sua principal organização, o Congresso Nacional Indiano (fundado em 1885), que se tornaria o partido da libertação nacional, refletia inicialmente tanto o descontentamento dessa classe média local, como a tentativa dos administradores britânicos inteligentes, como Alan Octavian Hume, de serenar a agitação acatando os protestos sérios.

As comunidades livres dos povoados mexicanos localizadas, sobretudo no centro e sul do país, que haviam sido preservados pela lei real espanhola e provavelmente fortalecidas nas primeiras gerações após a independência, foram sistematicamente expulsas em uma geração. Elas seriam o cerne da revolução agrária, cujo líder e porta-voz foi Emiliano Zapata. A recessão americana de 1907/1908 teve efeitos desastrosos no México: diretos, na ruina do próprio mercado mexicano e na pressão financeira sobre a indústria do país; indiretos, na enxurrada de trabalhadores mexicanos que voltavam ao país sem um tostão, depois de perderem seus empregos nos EUA.

Se havia um Estado onde se acreditava que a Revolução fosse não só desejável como inevitável, era o Império dos Czares. Gigantesco, pesado e ineficiente, econômica e tecnologicamente atrasado, com 126 milhões de russos em 1897, 80% camponeses e 1% de nobres hereditários.

Independentemente de suas opiniões, quase todos os participantes da vida pública russa, legal ou ilegal, concordavam que o governo do Czar administrava mal a reforma agrária e negligenciara os camponeses. Agravara, na verdade, seu descontentamento desviando recursos da população rural para uma maciça industrialização patrocinada pelo Estado na década de 1890. Isto porque o grosso da receita fiscal da Rússia vinha da área rural, e os impostos elevados, juntamente com tarifas protecionistas vultosas e muita importação ode capital, eram essenciais para o projeto de aumentar o poder da Rússia czarista através da modernização econômica.

Em 1905 havia consenso de que a construção do socialismo não estava na pauta imediata da revolução, quanto mais não fosse porque a Rússia era muito atrasada. Não estava nem econômica nem socialmente pronta para o socialismo. Este ano provou que o czarismo podia ser derrubado. O que a posição de Lenin tinha de novo em relação à de seus rivais, os mencheviques, era o fato de ele reconhecer que, devido à fraqueza ou mesmo ausência de burguesia, a revolução burguesa deveria, ser feita sem a burguesia.

A ideia de que os próprios operários podiam, dada à ausência de uma burguesia, tomar o poder e passar diretamente à etapa seguinte da revolução social de fato havia sido brevemente ventilada. A perspectiva leninista repousa num crescimento da classe operaria, num campesinato que continuasse sendo uma força revolucionária- e é claro, também na mobilização, na aliança, ou ao menos, na neutralização das forças de libertação nacional, pois eram recursos revolucionários importantes, na medida em que eram inimigas da autocracia.

Continuariam os camponeses revolucionários? A reação do governo do czar a 1905, através do competente e decidido ministro Stolypin, criaria uma massa substancial de camponeses conservadores, incrementando a produtividade agrícola por meio da divisão de terras em lotes privados.

Em 1912-1914, o país estava uma vez mais em ebulição devido à inquietação social. No verão de 1914, os únicos obstáculos que se lhe opunham eram a força e a firme lealdade da burocracia do czar, da policia e das forças armadas- que, ao contrario de 1904/1905- não estavam nem desmoralizadas nem engajadas no campo oposto. A Rússia era tanto um pais industrial importante como uma economia camponesa tecnologicamente medieval; uma nação imperial e uma semicolônia.

Da paz à guerra

Na década de 1910 a guerra era considerada iminente e, contudo, sua deflagração não era realmente esperada. Nem durante a crise já irreversível de julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que realmente estivessem dando inicio a uma guerra mundial. Nem aqueles que estavam apertando os botões da destruição nela acreditavam, não porque não quisessem, mas porque era independente de sua vontade: como o imperador Guilherme perguntando a seus generais, no último minuto, e a guerra, afinal de contas, não poderia ser situada na Europa oriental, se se evitasse atacar a França e a Rússia.

O serviço militar obrigatório- alistamento- agora era a norma em todas as nações de peso, com exceção da Grã-Bretanha e dos EUA, embora, na verdade, nem todos os rapazes de fato se alistassem. Para os governos e classes dirigentes, os exércitos eram não só forças para enfrentar inimigos externos, mas também um modo de garantir a lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, de cidadãos com simpatias inquietantes por movimentos de massas que solapavam a ordem politica e social. Junto com a escola primaria, o serviço militar era talvez o mecanismo mais poderoso à disposição do Estado visando à inculcação do comportamento cívico apropriado, da transformação do habitante do povoado num patriota da nação.

Nos trópicos, dos 274 mil militares americanos mobilizados para a guerra hispano- americana de 1898, houve apenas 379 mortos e 1600 feridos em combate, porém mais de 5000 morreram de doenças tropicais.

Em 1898, o financista judeu Ivan Bloch publicou em São Petersburgo os seis volumes de seu Technical, Economic and Political Aspects of the Coming War, um trabalho profético que predizia o empate militar da guerra de trincheiras, o que levaria a um conflito prolongado cujos custos econômicos e humanos intoleráveis exauririam os beligerantes ou os fariam mergulhar na revolução social.

Como o moderno complexo-industrial e militar dos EUA, essas concentrações industriais gigantescas não teriam sido nada sem a corrida armamentista dos governos. Assim sendo, é tentador responsabilizar tais “mercadores da morte” pela “guerra do aço e do ouro”. Porem, a Europa não foi à guerra devido à corrida armamentista como tal, mas devido à situação internacional que lançou as nações nesta competição.

A Revolução Russa de 1917, que publicou os documentos secretos do czarismo, acusou o imperialismo como um todo. Os aliados vitoriosos criaram a tese da “culpa de guerra”, exclusivamente alemã, pedra angular do tratado de paz de Versalhes de 1919.

Contudo, é indubitável que nenhum governo de qualquer uma das grandes potências de antes de 1914 queria uma guerra europeia generalizada, ou mesmo, um conflito militar restrito com outra grande nação europeia. Até as mais graves destas crises, as do Marrocos em 1906 e 1911, foram contornadas. Às vésperas de 1914, os conflitos coloniais não pareciam mais colocar problemas insolúveis às varias nações concorrentes- fato que tem sido usado, de modo bastante ilegítimo, como argumento para afirmar que as rivalidades imperialistas foram irrelevantes na deflagração da I Guerra Mundial.

O máximo que se pode afirmar e que, a partir de certo ponto do lento escorregar para o abismo, a guerra pareceu tão inevitável que alguns governos decidiram que a melhor coisa a fazer seria escolher o momento mais propicio, ou menos desfavorável, para iniciar as hostilidades.

Portanto, descobrir as origens da I Guerra Mundial não equivale a descobrir o “agressor”. Ele repousa na natureza de uma situação internacional em processo de deterioração progressiva, que escapava cada vez mais ao controle dos governos. Gradualmente, a Europa foi se dividindo em dois blocos opostos de grandes nações. Tais blocos, fora de uma guerra, eram novos em si mesmos e derivavam, essencialmente, do surgimento no cenário europeu de um Império Alemão unificado. O sistema de blocos se tornou um perigo para a paz quando as alianças consolidaram-se como permanentes, mas especialmente quando as disputas entre eles se transformaram em confrontos inadministráveis.

Em 1880, as coligações de 1914 não eram previstas. Naturalmente, alguns aliados e inimigos potencias eram fáceis de discernir. A Alemanha e a França estariam disputando a Alsácia-Lorena. Também não era difícil prever a manutenção da aliança entre Alemanha e Áustria-Hungria, pois o equilíbrio interno do novo império alemão tornou necessário manter vivo o multinacional Império Habsburgo. Sua ruina levaria o caos ao sistema da Europa central como destruiria também a base da Alemanha dominada pela Prússia.

Três problemas tornaram o sistema de alianças numa bomba-relógio: a situação do fluxo internacional, desestabilizado por novos problemas e ambições mútuas, a lógica do planejamento militar conjunto que congelou os blocos que se confrontavam, tornando-os permanentes, e a integração de uma quinta grande nação, a Grã-Bretanha, a um dos blocos. Entre 1903 e 1907, para a surpresa geral-até dela mesma- a Grã-Bretanha se uniu ao lado antialemão.

A Tríplice Entente foi surpreendente tanto para os inimigos como para os aliados britânicos. A Grã-Bretanha fora antagonista quase automática da França em quase todas as guerras europeias desde 1688. Durante a crise de Fashoda, de 1898, pareceu que haveria derramamento de sangue, pois as tropas coloniais dos dois países se enfrentaram no interior do Sudão.

Uma aliança permanente com qualquer nação continental parecia incompatível com a manutenção do equilíbrio de poder, que era o principal objetivo da politica externa britânica. Por causa de seu receio em relação à Alemanha, os britânicos até concordaram com a futura ocupação de Constantinopla pelos russos. Oferta que desapareceu do horizonte com a Revolução Bolchevique.

A Aliança Britânica com o Japão (1902) foi o primeiro passo rumo à Tríplice Entente, pois a existência daquela nova potência reduziu a ameaça que a Rússia representava para a Grã-Bretanha, fortalecendo assim a posição britânica.

Por que os capitalistas desejariam perturbar a paz internacional para negociar e os das transações financeiras dependiam dela? Além disto, o maior dos perdedores potenciais, a Grã-Bretanha, resistiu até contra esses pedidos, e seus interesses econômicos permaneceram, em sua esmagadora maioria, vinculados à paz, apesar do constante temos da concorrência alemã.

A economia mundial deixara totalmente de ser, como o fora, em meados do século XIX, um sistema solar girando em torno de uma estrela única, a Grã-Bretanha. Ela já não era a “oficina do mundo”, nem seu principal mercado exportador. Seu declínio relativo era patente.

Bem antes de 1914, a petrodiplomacia já era um fator crucial no Oriente Médio, sendo vitoriosa a Grã-Bretanha e a França.

Mas o que tornou o mundo um lugar ainda mais perigoso foi equação tácita de crescimento econômico ilimitado e poder politico, que veio a ser aceita inconscientemente. Quanto mais poderosa for a economia de um país, maior será sua população, maior o lugar internacional de seu Estado-nação.

Do ponto de vista britânico, a construção de uma esquadra de guerra alemã- mais que um simples aumento de tensão para sua marinha já comprometida mundialmente e já superada pela soma das esquadras das nações rivais, antigas e modernas- significava o aumento das dificuldades em manter, sequer, seu objetivo mais modesto: o de ser mais forte que as duas maiores marinhas combinadas (o padrão duas potências).  Os interesses marítimos alemães legítimos eram visivelmente marginais, ao passo que o Império Britânico dependia profundamente de suas rotas marítimas. O que para Alemanha era status, para a Inglaterra era questão de vida ou morte.

Sem duvida a Rússia com modestas concessões à liberalização politica, viu provavelmente no apelo ao nacionalismo da Grande Rússia e a gloria da força militar sua estratégia mais promissora com objetivo de renascer e se fortalecer. Mesmo assim é demasiado supor que a Rússia desejasse de fato o conflito. Contudo, graças a alguns anos de preparação militar, a Rússia podia contemplar uma guerra em 1914 o que, evidentemente, não teria sido possível alguns anos antes.

Se havia uma nação que não podia senão apostar sua existência no jogo militar porque sem ela parecia condenada: a Áustria-Hungria. A resposta imediata para a guerra parece agora tão clara como simples: a Alemanha decidiu dar apoio total à Áustria, ou seja, não acalmar a situação.

A Rússia uma vez mais ameaçada pela revolução social, a Áustria desafiada pela desintegração de um império múltiplo não mais controlável, e até a Alemanha polarizada e talvez ameaçada pelo imobilismo devido a suas divisões politicas- todos eles pendiam para o lado militar e suas soluções.

Os governos se enganaram em um ponto crucial: foram pegos totalmente de surpresa, assim como os que se opunham à guerra, pela extraordinária vaga de entusiasmo patriótico com que seus povos pareciam mergulhar num conflito no qual ao menos 20 milhões de pessoas seriam mortas ou feridas, sem contar os incalculáveis milhões de nascimentos que deixaram de acontecer e o excesso de mortes civis devido à fome e à doença.

Na Grã-Bretanha, número de voluntários foi de 750.000, e mais 1 milhão nos oito meses seguintes. Em 1914, os povos da Europa foram alegremente massacrar e ser massacrados, por pouco tempo, no entanto. Após a I Guerra isto nunca mais aconteceu.

Para os socialistas a guerra era uma catástrofe dupla e imediata, pois, como movimente dedicado ao internacionalismo e à paz, foi subitamente reduzido à impotência, e a vaga de união nacional e patriotismo sob a direção das classes dirigentes tomou conta. “As lâmpadas estão se apagando na Europa inteira”, disse Edward Grey ao ver as luzes da sede do governo inglês apagadas na noite em que a Grã-Bretanha e a Alemanha entravam em guerra. “Não as veremos brilhar outra vez em nossa existência”.

Epilogo

Antes de 1914, as únicas quantidades medidas em milhões, fora as da astronomia, eram praticamente as populações de países e os dados da produção, do comercio e das finanças. A partir de 1914, nos acostumamos a ter números de vitimas de tais magnitudes: as guerras mesmo localizadas, as maiores fizeram dezenas de milhões. Os motivos por que perdemos o hábito de pensar em nossa Historia como progresso são óbvios.

O perigo do Bolchevismo dominou não só a historia dos anos imediatamente posteriores à Revolução Russa de 1917, como toda a história do mundo no século XX. O Liberalismo burguês ficou totalmente perplexo. Podia renunciar ou ser varrido. Ou podia se assimilar a algo como os partidos socialdemocratas “reformistas”, não bolcheviques, não revolucionários que, de fato, surgiram na Europa como a principal garantia de continuidade social e politica após 1917 e, por conseguinte, deixaram de ser partidos de oposição para se tornarem governo. Sob forma antiga o Liberalismo não tinha mais chances.

De 1920 a 1939, os sistemas políticos democráticos parlamentares praticamente desapareceram dos Estados europeus, comunistas ou não.  O Liberalismo na Europa parecia condenado por uma geração.

John Maynard Keynes é um exemplo da segunda escolha, ainda mais interessante por ter apoiado o Partido Liberal Britânico a vida toda e ser um membro consciente do que ele chamava de sua classe, a “burguesia instruída”. Como jovem economista fora quase a quintessência da ortodoxia. Ele pensava, com razão que a Primeira Guerra Mundial era tão inútil quanto incompatível com a economia liberal e com a civilização burguesa. Ainda de modo bastante lógico, achava que o grande líder da guerra, o liberal Lloyd George estava levando a Grã-Bretanha à ruina econômica ao subordinar todo resto à vitória militar. Concluiu, outra vez acertadamente, que um tratado de paz politicamente irresponsável imposto pelos vencedores comprometeria as chances de recuperar a estabilidade capitalista da Alemanha e, portanto da Europa, em bases liberais. Ele se tornou o paladino de uma economia administrada e controlada pelo Estado, que, apesar da evidente dedicação de Keynes ao capitalismo, teria sido então considerada a antessala do socialismo por todos os ministros das finanças de todas as economias desenvolvidas industriais de antes de 1914.

Após 1944, a lição foi adotada por ideólogos e governos reformistas, socialdemocratas e radicais que lhe deram continuidade com entusiasmo, caso não fossem, como na Escandinávia, pioneiros independentes destas ideias.

O período, ainda em curso, que sucedeu a essa era de ruina e transição é, provavelmente, o mais revolucionário já vivido pela espécie humana, em termos de transformações sociais que afetam homens e mulheres comuns do mundo. Pela primeira vez desde a Idade da Pedra, a população mundial estava deixando de ser composta por pessoas que viviam da agricultura e da pecuária. E tudo no espaço de uma geração apenas.

A descolonização do Império Francês gerou cerca de 20 novos Estados, a do Império Britânico muito mais; e, ao menos na África todos eles reproduziram as fronteiras traçadas pela conquista e pela negociação imperialista. O século XIX criou a historia mundial ao criar a economia mundial capitalista moderna.

Nunca antes ou depois os homens e mulheres práticos nutriram expectativas tão elevadas, tão utópicas em relação à vida no planeta: paz universal, cultura universal por meio de um único idioma mundial, ciência que não só tentasse responder, mas que de fato respondesse às perguntas mais fundamentais sobre o universo, a emancipação da mulher de toda sua história passada.

Os burgueses esperavam uma era de melhoria infindável- material intelectual e moral- através do progresso liberal; os proletários, ou os que diziam falar em nome deles, esperavam pela revolução. Mas ambos esperavam o mesmo. E o esperavam não por meio de um automatismo histórico, mas de esforço e luta.

 

 

 

 

 

3 opiniões sobre “ERA DOS IMPÉRIOS”

    Apenas colaboradores que estejam logados podem acessar os comentários!