BAILE

Monarquia Pluricontinental- João Fragoso

Na monarquia portuguesa, ao contrario, da monarquia espanhola dos Habsburgo existia apenas um reino e varias conquistas espalhadas pela América, África e Ásia. O rei era cabeça do corpo social e com ele não se confundia.

As câmaras municipais ultramarinas, além de tomarem parte na gestão das comunidades também interferiam na dinâmica do Império Ultramarino. Como exemplos citamos os esforços da câmara de Salvador na tentativa da retomada de Mombaça na África das mãos dos mulçumanos. A monarquia pluricontinental era polissinodal, corporativa, pois, como afirmei, tinham por base a tradição escolástica.

A disciplina social ensinada pela Igreja Católica criava uma linguagem comum à monarquia pluricontinental. Neste Atlântico caótico a escravidão era assunto doméstico. As dimensões da organização social e econômica do Antigo Regime nos trópicos incluíam: a monarquia, sua administração periférica nas conquistas, os municípios e as famílias. Repare que Tais dimensões eram articuladas pela disciplina social católica.

Maranhão

No Maranhão o “bem comum” relacionava-se fundamentalmente com os serviços prestados na conquista e defesa do território, o acesso ao cativeiro dos índios, distribuição de terras e organização da politica na região. Na prática, a aplicação do “bem comum”, mais que efetivar interesses da comunidade, potencializou negociações feitas em favor de pequenos grupos locais pertencentes à Câmara.

Na logica da monarquia pluricontinental, era atribuição dos senados municipais cuidar da construção e manutenção das muralhas e fortalezas, adquirir armas e munições e eleger os quadros para compor as Companhias das Ordenanças. Obviamente que as questões relativas à segurança e defesa das cidades não foram exclusivas das câmaras.

Recife (1710-1822)

A municipalidade foi criada para acomodar o poder dos mascates, contudo, o perfil dos poderosos de Recife se tornou mais complexo e diversificado ao longo do período estudado. As cifras encontradas demonstram que houve um claro predomínio dos nascidos na América entre os oficias da assembleia municipal nos seus pouco mais de 100 anos iniciais. E na 1º década de seu funcionamento observamos um rigoroso equilíbrio entre as nomeações de portugueses e naturais da terra.

A partir dos anos 60 do século XVIII, a balança se inclina perceptivelmente para o lado dos nascidos na América. Esta mudança considerável se deve às estratégias da elite local para se opuser as medidas reformistas de Pombal, em especial, à instalação da Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba. Eles usaram as prerrogativas locais para realizar oposição indireta, mas efetiva ao monopólio pombalino.

A ocupação de comerciante era uma das menos prestigiosas e uma das mais antipatizadas no âmbito do Império Português. Contra eles se voltavam os ressentimentos em época de carestia e escassez, além de serem suspeitos de ascendência cristã nova.

O setor comercial não era monolítico. Existia uma classificação, em cuja base estava o caixeiro ou mascate, elemento, em geral, oriundo de Portugal. Outro tipo de comerciante era o que possuía loja fixa e se dedicava à venda de secos e molhados. Muitos realizavam seu aprendizado como caixeiros. Eram conhecidos como mercadores de vara e côvado ou de loja aberta. Em ambos os casos, ressaltava-se a atividade manual como o “defeito mecânico”.

 

No ponto mais alto da escala hierárquica social, estão os mercadores de sobrado, também conhecidos como grossos comerciantes ou homens de grossa aventura. Encarregados das conexões atacadistas entre a América e a Europa, também se dedicavam ao comercio de escravos. Este grupo de grandes comerciantes detinha muito mais poder econômico que os donos de terras e escravos. Não obstante, a aristocracia rural seguiu ocupando o topo da hierarquia social.

O pesquisador Lugar afirma que os cargos municipais proporcionavam mais prestigio que poderes imediatos e efetivos. No Recife é possível que os graúdos do comércio ocupassem cargos na câmara com o objetivo imediato de acrescentar às suas folhas de serviço o do governo da república. As tarefas administrativas podiam ser pesadas: a arrecadação de tributos, lidar com a tropa, manter a estrutura da câmara, a organização de festas e procissões.

O comercio de cativos, além de lucrativo, não arranhava tanto o prestigio social como era no caso do pequeno comércio. Com o boom da mineração o protagonismo da zona de açúcar caiu como destino privilegiado de escravos. Em Pernambuco o tom geral foi de lamentações. O preço do açúcar caia e o de escravos subiu.

As redes familiares permitiam um apoio fundamental no processo de inclusão, ascensão e consolidação de uma posição social no mundo colonial. Ao contrario de Recife, a participação dos comerciantes na Câmara de Salvador foi acanhada e só teve permissão oficial a partir de 1740.

As Ordens Militares e as Câmaras Municipais

Decreto de D. Pedro II de Portugal: “Na Bahia não se faça eleição de nenhum dos cavaleiros das 3 ordens para oficio de procurador, visto que para estes cargos não se costuma eleger as pessoas da 1º nobreza, que servem de juízes e vereadores, se não outras de diferentes qualidades”.

Seguindo o parecer do governador-geral, o monarca deixa claro que os cavaleiros não são elegíveis para a função de procurador da Câmara, pois fariam parte da primeira nobreza da Bahia.

Se os hábitos militares tinham um importante significado politico, podiam também possuir um valioso aspecto econômico: a isenção do dizimo, o principal tributo na América Portuguesa seiscentista, sob o controle da administração periférica da Coroa, e dos donativos e contribuições que se multiplicaram no contexto da luta contra os holandeses e administrados pela municipalidade.

A ordem mais prestigiada da monarquia lusa era a Ordem de Cristo em seguida destacamos a de Avis e a de Santiago.

Câmara do RJ e o abastecimento de carnes    

Já estamos longe da perspectiva de autores como Raimundo Faoro, para os quais as câmaras municipais eram meros instrumentos do poder da Coroa.

A Câmara da cidade do Rio de Janeiro iniciou suas atividades em 1567 entre os séculos XVI e XIX reuniu o poder executivo, legislativo e judiciária sendo uma instituição de suma importância para a população e a coroa.

A Câmara Municipal portuguesa descende da administração romana e, segundo Alexandre Herculano, o municipalismo é a única das instituições que perpassa a dissolução do Império Romano. Reunidos municipalismo, patriarcalismo e latifúndio escravocrata formam os 3 alicerces da colônia sob o aspecto econômico, social e politico.

Além de possuírem territórios incomparavelmente maiores que os de suas congêneres reinóis, as Câmaras da América eram, de fato, a principal ligação entre as elites locais e a Monarquia. Em linhas gerais, a capitania fluminense caracterizou-se por uma abundante produção de alimentos, que evitou a ocorrência ai de crises frumentárias como as ocorridas na Bahia. Devido a abundancia de sua produção alimentar, a capitania viu-se obrigada por vezes, a abastecer a Bahia no contexto das guerras contra os holandeses. E a partir de 1680, a produção de alimentos fluminense viu-se obrigada também, a abastecer a Colônia de Sacramento.

Com a corrida do ouro temos uma transformação por que passa o Rio de Janeiro que é o rápido crescimento da população urbana. Em 1710, a população da cidade seria talvez de 12.000 mil habitantes, numero que subiu para 29.147 em 1749, um aumento superior a 140%, em, aproximadamente quatro décadas. Ao final do século XVIII, a cidade já contava com 43.376 habitantes, sendo considerada a mais populosa e importante, não só por ser a sede do vice-reino e ter o melhor porto da colônia, mas também por ter participado das campanhas da guerra no Sul do país.

A Câmara era responsável por garantir que não faltasse alimento para a população. E que fosse este distribuído e comercializado de forma justa. A noção do bem comum revestia-se, portanto, de um caráter profundamente moral, pois remetia à noção de equilíbrio natural, tão cara à Segunda Escolástica.

A responsabilidade de atuar como fiscal das atividades ligadas ao abastecimento da cidade era o almotacé, ou juiz almotacé. Um cargo cobiçado como um meio de entrada na instituição camararia e, de certa forma, como uma via de ascensão social, pois, a partir dele, poder-se-ia chegar aos cargos de vereador ou outros.

Marchante– designava os comerciantes dedicados ao comércio de carnes verdes. Era uma categoria de mercador.

Longe de apenas estabelecer regras gerais de funcionamento das atividades econômicas, a Câmara ainda se preocupava em garantir o adequado abastecimento da população carioca. Definia os fornecedores de carne verde, as condições de venda e o preço. Mas ainda buscava garantir um fornecimento regular. Na documentação não se encontra um único caso de critica à interferência no mercado em si mesma. Em um mundo em que as ideias liberais tornavam-se cada vez comuns, esse não era um fato de pequena monta. Antes demonstra a existência de uma visão clara de como os equilíbrios sociais deveriam ser mantidos.

Organização dos mesteres Ou irmandades em Portugal

São instituições criadas a partir da fusão dos hospitais particulares, sob a direção de D João II e continuada por D Manuel I, quando da conversão forçada dos judeus, ganhando, consequentemente, acentuada conotação religiosa. Aparentemente o que se desejava com a fusão era dar uma assistência mais eficaz aos ofícios. Os homens se reuniam simultaneamente para funções caritativas, religiosas e de sociabilidade profissional, donde então se criaram as confrarias de mesteres.

As Câmaras mineiras e a arrecadação do quinto

A vila do Carmo (depois cidade de Mariana), neste contexto, foi uma das mais ricas e povoadas regiões de extração aurífera e possuía grande capacidade de arrecadação e geração de recursos, dominando praticamente todo o período compreendido entre 1717 e 1737, só sendo superada, em alguns momentos, por Sabará.

O senado da Câmara manteve e reafirmou constantemente suas atribuições para com a cobrança dos quintos. Verificamos que o encargo da coleta do precioso direito régio esteve nas mãos dos oficiais do conselho municipal por tempo bem maior e realizado de maneira bem mais efetiva do que destacou a historiografia que tangenciou o assunto. Conforme a ultima, já em 1718 teria sido retirado das Câmaras o papel de cobrar os quintos. No entanto, já em 1721 os órgãos municipais voltaram a cuidar da guarda e lançamento do ouro durante o ano até que seguisse seu destino para os cofres de El-Rei. E continuaram com está tarefa até 1733 ao menos.

Cabia ao senado local à nomeação dos cobradores, o recebimento do ouro e das listas de cobrança de cada distrito, a coleta e guarda deste precioso metal durante o ano de exercício da arrecadação, ação em casos específicos (de sonegação, não entrega ou fuga).

Além de identificar que os cobradores de quintos foram grandes proprietários de terras e escravos, ostentando bens valiosos que indicavam distinção e uma vida “à lei da nobreza”, verificamos que desempenhavam diversos papeis sociais e ocuparam os mais variados postos. Foram, portanto, os primeiros povoadores da região, conquistadores e descendentes deles, vindos à maioria do norte de Portugal, os indivíduos a ocupar os primeiros postos e desempenhar as primeiras funções de governança e organização da vila.

No século XVIII, para que algum individuo fosse considerado “homem bom” eram necessários alguns requisitos básicos, como não possuir impureza de sangue- o não envolvimento com trabalhos mecânicos, não ter nenhum parentesco com negros e judeus- ser católico, maior de 25 anos, ser casado ou emancipado entre outros.

O bom governo do rei devia garantir a paz nas terras conquistadas e, principalmente, respeitar os direitos, autonomias e prerrogativas de cada parte dessa sociedade-corpo. Em suma, respeitar o autogoverno das partes para a manutenção daquela harmonia. Verdadeiro pressuposto do principio do bem comum, e isto não significa que os membros da elite, no interior de suas casas e da Câmara, agiam à revelia de outras forças, especialmente do poder régio.

Através de seus oficias nomeados por ela, o senado da Câmara atuou de maneira efetiva (e por tempo maior do que se supunha) na cobrança do precioso metal amarelo.

A distribuição de títulos de capitão era algo importante para a afirmação das elites locais, motivo pelo qual se chegava ao extremo de nomear capitães em locais onde sequer havia tropas.

Cabo Verde e São Tomé

Certamente, o papel desempenhado por Ceuta, como porto e praça de comércio de ouro proveniente do Mali, e de seus escravos vindos pelas rotas de caravanas, estava entre os fatores determinantes que levaram D. João I à empresa de sua conquista. Porém, aos árabes e berberes não interessava nem um pouco fazer negócios com o invasor português. Também não interessava aos seus parceiros habituais, provenientes da península itálica, a concorrência dos mercadores lusitanos. As caravanas mudaram seu destino final para outras praças do norte africano.

De inicio é perceptível que o principal objetivo português, em sua expansão e nas trocas com os africanos, era a aquisição do ouro; no entanto, foi outra mercadoria que tornou possível o comércio regular na região e contribuiu decisivamente para o sucesso português na região: os escravos.

As experiências realizadas nos arquipélagos de Cabo Verde e S Tomé e Príncipe serão aqui analisadas pelo seu papel preponderante para o acesso regular ao mercado de cativos africanos, servindo à implementação de sociedades do Antigo Regime apoiadas no modo de produção escravista e dando suporte ao tráfico atlântico.

Durante o século XVI a América Espanhola foi o maior mercado consumidor de escravos, recebendo 85% dos cativos, principalmente através de Cartagena e Veracruz, ao longo do século XVII o Brasil se torna o grande importador de mão de obra escrava africana. Dos 14,7% do total de escravos que recebeu no século XVI, o Brasil passa a responder pela demanda de 51% do mercado de cativos durante o século XVII, enquanto a América espanhola cai de 85% para somente 15% do total de escravos traficados nos Seiscentos. Já Cabo Verde perdia posto para S Tomé enquanto principal entreposto de escravos no Atlântico.

Desde 1490 os moradores de São Tomé fizeram a intermediação da venda de cativos os ilhéus resgatavam escravos no Benin e os revendiam na fortaleza de S Jorge da Mina, em troca de ouro. Durante a 1º fase da colonização do arquipélago, no século XVI, a sociedade se configurou em torno do complexo açucareiro. Extinta esta atividade, ela se reorganizou em torno do comércio escravagista.

Final

A Câmara também, ao lado do hospital da Santa Casa de Misericórdia, era responsável por oferecer gratuitamente serviços de saúde para a população. Apesar da fiscalização do exercício de medicina passar a ser mais vigiada de perto pela Coroa no século XVIII.

A História Social em geral, e não somente a corrente derivada dos Annales tendeu a trabalhar, a partir de meados do século XX, com grandes massas de dados, desprezando o singular. Para além da analises homogeneizantes, a micro historia traz de volta a cena o individuo.