revoluções

A Era das Revoluções

O mundo da década de 1780

A primeira coisa a se observar sobre o mundo da década de 1780 é que ele era simultaneamente maior e muito menor do que o nosso. Era menor geograficamente, porque até mesmo os homens mais instruídos e bem informados da época conheciam somente pedaços do mundo habitado. O mapa do mundo consistia de espaços em branco cruzados pelas trilhas demarcadas por negociantes ou exploradores.

Não só o mundo conhecido era menor, mas também o mundo real, pelo menos em termos humanos. Já que para fins práticos não se dispunha de recenseamentos, todas as estimativas geográficas eram pura especulação, mas é evidente que a terra abrigava somente uma fração da população de hoje; provavelmente não muito mais que um terço.

A Europa devia abrigar 187 milhões por volta de 1800. Aproximadamente dois de cada 3 seres humanos eram asiáticos; um de cada cinco europeu, um de cada dez, africano, e um de cada 33, americano ou da Oceania. É obvio que esta população muito menor era muito mais esparsamente distribuída pela face do globo, exceto talvez em algumas pequenas regiões de agricultura intensa ou de alta concentração urbana, tais como parte da China, Índia e Europa Central e Ocidental, onde densidades comparáveis às dos tempos modernos podem ter existido.

A humanidade era menor em um terceiro aspecto: os europeus, no geral, eram nitidamente mais baixos e mais leves que hoje. Na Ligúria, 72% dos recrutas entre 1792/1799 tinham menos de 1,50 metros de altura. Isto não significa que os homens do fim do século XVIII fossem mais frágeis do que somos. Os esqueléticos, raquíticos e destreinados soldados da Revolução Francesa eram capazes de um sofrimento físico igualado somente pelos diminutos guerrilheiros das montanhas coloniais.

Entre 1760 e o fim do século, a viagem para Glasgow foi reduzida de 10 ou 12 dias para 62 horas. O sistema de carruagens postais ou diligencias, instituído na segunda metade do século XVIII, expandiu-se consideravelmente entre o fim das guerras napoleônicas e o surgimento da ferrovia, proporcionado não só relativa velocidade- o serviço postal de Paris a Strasburgo levava 36 horas em 1836- com também regularidade.

Nestas circunstancias, o transporte por água era, portanto, não só mais fácil e barato, mas também geralmente mais rápido (exceto quanto às incertezas dos ventos e do tempo). Estar perto do porto era estar perto do mundo. O principal inconveniente do transporte por água era sua intermitência. Mesmo em 1820 os correios de Londres para Hamburgo e Holanda eram despachados somente duas vezes por semana, para Suécia e Portugal somente uma vez por semana.

O mundo em 1789 era, portanto, para maioria de seus habitantes incalculavelmente grande. A maioria deles, a não ser que fossem arrancados de seu pedaço de terra por algum acontecimento, como o serviço militar, viviam e morriam no distrito ou mesmo na paroquia onde haviam nascido: ainda em 1861, nove em cada dez habitantes de 70 dos 90 departamentos franceses moravam no departamento onde haviam nascido.

Na própria Inglaterra, a população urbana só veio ultrapassar a população rural pela primeira vez em 1851. Os habitantes das cidades eram quase sempre fisicamente diferentes dos homens do campo. Em vastas áreas da Europa oriental, as pessoas das cidades eram ilhas germânicas, judias ou italianas em um lago eslavo, magiar ou romeno.

O ponto crucial do problema agrário era a relação entre os que cultivavam a terra e os que a possuíam, os que produziam sua riqueza e os que a acumulavam. O cultivador típico não tinha liberdade ou então trabalhava sob coerção política. O proprietário típico era dono de uma propriedade enorme, quase feudal (hácienda, estancia), ou de uma plantação com escravos.

O senhor de terra característico das áreas de servidão era assim um nobre proprietário e cultivador ou um explorador de enormes fazendas A vastidão destes latifúndios era espantosa: Catarina, a Grande, deu entre 40 e 50 mil servos aos seus favoritos;

Para um trabalhador ou camponês, qualquer pessoa que possuísse uma propriedade era um cavalheiro e membro da classe dominante, e, vice-versa, o status de nobre ou gentil-homem (que dava privilégios políticos e sociais e era ainda de fato a única via para os mais altos postos do Estado) era inconcebível sem uma propriedade.

Somente algumas áreas levaram o desenvolvimento agrário mais adiante, rumo a uma agricultura puramente capitalista. A Inglaterra era a principal delas. Lá a propriedade de terras era extremamente concentrada, mas o agricultor típico era o arrendatário com um empreendimento comercial médio, operado por mão de obra contratada.

Um príncipe necessitava de uma classe média e de suas ideias para modernizar o seu Estado; uma classe média necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao progresso, causado pelos arraigados interesses clericais e aristocráticos.

Uma libertação de grande porte foi tentada por José II da Áustria em 1781; mas fracassou em face da resistência politica de interesses estabelecidos e da rebelião camponesa que ultrapassou o que tinha sido programado, e teve que ficar incompleta. O que na verdade aboliu as relações agrárias feudais em toda Europa ocidental e Central foi a Revolução Francesa, por ação direta, reação ou exemplo, e a Revolução de 1848.

O que tornava os Estados Absolutos ainda mais vulneráveis foi que eles estavam sujeitos a pressões de três lados: das novas forças, da arraigada e cada vez mais dura resistência dos interesses estabelecidos mais antigos, e dos inimigos estrangeiros. Eram poucas as regiões onde as condições puramente domésticas eram suficientes para uma maior transferência de poder. O que tornou a situação explosiva foi à rivalidade internacional.

A guerra testava a os recursos de um Estado como nenhum outro poderia fazê-lo. Quando não conseguiam passar por este teste, os Estados tremiam, rachavam ou caiam.

A Revolução industrial

Foi somente na década de 1830 que a literatura e as artes começaram a ser obsedadas abertamente pela ascensão da sociedade capitalista, por um mundo no qual os laços sociais se desintegravam. A certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na História da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que dai em diante se tornavam capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços: “a partida para o crescimento autossustentável”.

Sob qualquer aspecto, este foi provavelmente o mais importante acontecimento na história do mundo, pelo mesmo desde a invenção da agricultura e das cidades. Qualquer que tenha sido a razão do avanço britânico, ela não se deveu à superioridade tecnológica e científica. Nas ciências naturais os franceses estavam seguramente à frente dos ingleses, vantagem que a Revolução Francesa veio acentuar de forma marcante.

Até mesmo nas ciências sociais os britânicos ainda estavam muito longe daquela superioridade que fez da economia um assunto eminentemente anglo-saxão. Os franceses produziram inventos mais originais, como o tear de Jacquart (1804)- um aparelho mais complexo do que qualquer outro já produzido na Grã-Bretanha- e melhores navios. Os alemães possuíam instituições de treinamento técnico, como a Bergakadenzie prussiana, que não tinha paralelo na Grã-Bretanha, e a Revolução Francesa criou um corpo único e impressionante, a École Polytechnique. Não havia entre os ingleses qualquer sistema de educação primária antes que o Quaker Lancaster lançasse uma espécie de alfabetização em massa elementar.

Contudo as condições adequadas estavam visivelmente presentes na Grã-Bretanha, onde mais de um século se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da politica governamental.

As atividades agrícolas já estavam predominantemente dirigidas para o mercado; as manufaturas de há muito se tinham disseminado por um interior não feudal. A agricultura já estava preparada para exercer suas 3 funções básicas em uma era industrial: aumentar a produção e produtividade de modo a alimentar a crescente população urbana; fornecer excedentes populacionais como mão de obra para as cidades e suas fábricas e, finalmente, fornecer mecanismos de acumulo de capital a ser usado em setores mais modernos da economia.

A indústria algodoeira britânica desenvolveu-se originalmente como um subproduto do comércio ultramarino, que produzia sua matéria prima. Durante todo o período de que trata este livro a escravidão e o algodão caminharam juntos. Os escravos africanos eram comparados, pelo menos em parte, com produtos de algodão indianos. Entre 1750/1769, a exportação britânica de tecidos de algodão aumentou mais de dez vezes. A Índia foi sistematicamente desindustrializada e passou de exportador a mercado para os produtos de algodão da região de Lacashire. Foi um marco na História Mundial. Pois desde a aurora dos tempos a Europa sempre importara mais do Oriente do que exportara para lá; porque havia pouca coisa que o Oriente necessitava do Ocidente em troca das especiarias, sedas, joias enviadas.

A indústria de algodão tinha outras vantagens. Toda sua matéria prima vinha do exterior, e seu suprimento podia, portanto ser pelos drásticos métodos que se ofereciam aos brancos nas colônias- a escravidão e a abertura de novas áreas de cultivo- em vez dos métodos mais lentos da agricultura europeia, nem era tampouco atrapalhada pelos interesses agrários estabelecidos da Europa.

Até a década de 1830, o algodão era a única indústria britânica em que predominava a fábrica ou o “engenho”. As fábricas de que tratavam os novos decretos fabris eram, até a década de 1860, entendidas exclusivamente em termos de fábricas têxteis e predominantemente em termos de engenhos algodoeiros.  Os produtos de algodão constituíam entre 40 e 50% do valor anual declarado de todas as exportações britânicas entre 1816 e 1848. Se o algodão florescia, a economia florescia, se ele caia, também caia a economia.

Os pequenos comerciantes, sem saída, a pequena burguesia, setores especiais da economia eram também vitimas da revolução industrial e de suas ramificações. Os trabalhadores de espirito rústico destruíam as máquinas; mas um grande e surpreendente numero de homens de negócios e fazendeiros ingleses simpatizavam com as atividades dos ludistas; porque eles também se viam como vítimas da minoria diabólica de inovadores egoístas.

As crises periódicas da economia, que levavam ao desemprego, queda na produção, bancarrotas etc., eram bem conhecidas. No século XVIII elas geralmente refletiam alguma catástrofe agrária (fracassos na colheita, por exemplo) e já se provou que no continente europeu os distúrbios agrários foram a causa primordial das maiores depressões até o final de nosso período. Entretanto, os homens de negócios comumente consideravam que as crises eram causadas ou por enganos particulares- por exemplo, superespeculação nas bolsas americanas- ou então por interferências externas nas tranquilas atividades da economia capitalista. Não se acreditava que elas refletissem quaisquer dificuldades fundamentais do sistema.

Os fabricantes de algodão partilhavam o ponto de vista de que o custo de vida era mantido artificialmente alto pelo monopólio da propriedade fundiária, piorado ainda pelas pesadas tarifas protetoras que um parlamento de donos de terra tinha assegurado às atividades agrícolas britânicas depois das guerras- As Leis do Trigo (Corn- Laws). Esta legislação protecionista tinha ainda a desvantagem adicional de ameaçar o crescimento essencial das exportações britânicas. Pois se o resto do mundo ainda não industrializado era impedido de vender seus produtos agrícolas, como poderia pagar pelas mercadorias manufaturadas que só a Grã-Bretanha podia- e tinha- para fornecer?

A linha entre o campo de carvão de Durham e o litoral (Stockton-Darlington, 1825) foi a primeira das modernas ferrovias. Tecnologicamente, a ferrovia é filha das minas e especialmente das minas de carvão do norte da Inglaterra. Nenhuma outra inovação da revolução industrial incendiou tanto a imaginação quanto a ferrovia, como testemunha o fato de ter sido o único produto da industrialização do século XIX totalmente absorvido pela imagística da poesia erudita e popular.

Revolução Francesa

Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua politica e sua ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha o explosivo econômico. A França forneceu o vocabulário e os temas da politica liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo. França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e cientifica e o sistema métrico de medidas para a maioria de países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações inicialmente por meio da Revolução Francesa.

A Revolução Francesa pode não ter sido um fenômeno isolado, mas foi muito mais fundamental do que os outros fenômenos contemporâneos e suas consequências foram, portanto mais profundas. Em primeiro lugar, ela se deu no mais poderoso e populoso Estado da Europa (não considerando a Rússia). Em 1789, cerca de 1 em cada 5 europeus era francês. Em segundo lugar, ela foi diferentemente de todas as revoluções que precederam e seguiram uma revolução social de massa, e incomensuravelmente mais radical que qualquer levante comparável. Tom Paine era um extremista na Grã-Bretanha e na América; mas em Paris ele estava entre os mais moderados dos girondinos. Em terceiro lugar, entre todas as revoluções contemporâneas, a Revolução Francesa foi a única ecumênica. Seus exércitos partiram para revolucionar o mundo; suas ideias de fato o revolucionaram.

A Revolução Francesa foi, como se disse bem, o primeiro movimento grande de ideias da cristandade ocidental que teve qualquer efeito real sobre o mundo islâmico, e isto quase de imediato.

O fato continuou a se agravar entre a mais alta aristocracia e entre a noblesse de robe mais recente, criados pelos reis para vários fins, principalmente financeiros e administrativos; uma classe média governamental enobrecida que expressava tanto quanto podia o duplo descontentamento dos aristocratas e dos burgueses através das assembleias e cortes de justiça remanescentes. Por volta da década de 1780, eram necessários quatro graus de nobreza até para comprar uma patente no exército, todos os bispos eram nobres e até as intendências, a pedra angular da administração real, tinham sido retomadas por eles.

Toda uma profissão, a dos feudalistas, nasceu para reviver os direitos obsoletos deste tipo ou então para aumentar ao máximo o lucro dos existentes.

De fato os camponeses eram em geral livres e não raros proprietários de terras. Em quantidade efetiva, as propriedades nobres cobriam somente um quinto da terra, as propriedades do clero talvez cobrissem outros 6%, com variações regionais. Na diocese de Montpellier, os camponeses já possuíam de 38 % a 40 % da terra e os burgueses de 18% a 19%.

Embora a extravagancia de Versalhes tenha sido constantemente culpada pela crise, os gastos da corte só significavam 6% dos gastos totais em 1788. A guerra, a marinha e a diplomacia constituíam um quarto, e metade era consumida pelo serviço da dívida existente. A guerra e a dívida- a guerra americana e sua dívida- partiram a espinha da monarquia.

A Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recapturar o Estado. Esta tentativa foi mal calculada por duas razões: ela subestimou as intenções independentes do “Terceiro Estado” e desprezou a profunda crise socioeconômica no meio do qual lançava suas exigências politicas. A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento organizado no sentido moderno. Não obstante, um surpreendente consenso de ideias gerais entre um grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade efetiva.

Mas especificamente as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade democrática e igualitária.

Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia possuidora de terras era mais adequada à maioria dos liberais burgueses do que a república democrática que poderia ter parecido uma expressão mais lógica de suas aspirações teóricas. No geral, o burguês clássico de 1789(e o liberal de 1789/1848) não era um democrata mas sim um devoto do constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e um governo  de contribuintes e proprietários . O feudalismo só foi finalmente abolido em 1793.

Na maioria das revoluções burguesas subsequentes, os liberais moderados viriam a retroceder, ou transferir-se para a ala conservadora, em um estágio bastante inicial. De fato, no século XIX vemos de modo crescente (mais notadamente na Alemanha) que eles se tornavam absolutamente relutantes em começar uma revolução. A peculiaridade da Revolução Francesa é que uma facção da classe média liberal estava pronta a continuar revolucionária até o, e mesmo além do limiar da revolução antiburguesa eram os jacobinos, cujo nome veio a significar “revolução radical” em toda parte.

Na Revolução Francesa, a classe operária- e mesmo está é uma designação imprópria para a massa de assalariados contratados, mas fundamentalmente não industriais- ainda não desempenhava qualquer papel independente. Eles tinham fome, faziam agitações e talvez sonhassem, mas por motivos práticos seguiam os líderes não proletários.  Através de jornalistas como Marat e Hébert, através de porta-vozes locais, eles também formularam uma politica, por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido, que combinava o respeito pela pequena propriedade privada com a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pelo governo, salários e segurança social para o homem pobre, uma democracia extremada, de igualdade e liberdade, localizada e direta.

Mas o movimento dos sans-culottes também não forneceu nenhuma alternativa real. O seu ideal, um passado dourado de aldeões e pequenos artesões ou um futuro dourado de pequenos fazendeiros e artífices não perturbado por banqueiros e milionários, era irrealizável.

A constituição Civil do Clero (1790), uma má concebida tentativa de destruir não a Igreja, mas a lealdade romana absolutista da igreja levou a maioria do clero e de seus fieis à oposição. A eclosão da guerra agravou a situação; isto quer dizer que ela ocasionou uma segunda revolução em 1792, a República Jacobina do ano II, e, consequentemente, Napoleão. Em outras palavras, ela transformou a historia da Revolução Francesa na historia da Europa.

Duas forças levaram a França a uma guerra geral: a extrema direita e a esquerda moderada. O rei, a nobreza francesa e a crescente emigração aristocrática achavam que só a intervenção estrangeira poderia restaurar o Antigo Regime. Ao mesmo tempo, os próprios liberais moderados, e principalmente um grupo de políticos que se aglomeravam em torno dos deputados do departamento mercantil de Gironda, eram uma força belicosa.

Todos os planos para a libertação europeia até 1848 giravam em torno de um levante conjunto dos povos, sob a liderança dos franceses, para derrubar a reação europeia.

A guerra foi declarada em abril de 1792. A derrota, que o povo bem plausivelmente atribuiu à sabotagem e a traição real, trouxe a radicalização. Em agosto-setembro, a monarquia foi derrubada, a república estabelecida e uma nova era da historia humana proclamada com a instituição do ano I do calendário revolucionário. O partido dominante na nova convenção era o dos girondinos, belicosos no exterior e moderados em casa, um corpo de oradores parlamentares com charme. Somente métodos revolucionários sem precedentes poderiam vencer uma guerra dessas, mesmo que a vitória viesse a significar simplesmente a derrota da invasão estrangeira. De fato, tais métodos foram encontrados. No decorrer de sua crise, a jovem republica francesa descobriu ou inventou a guerra total: a total mobilização dos recursos de uma nação através do recrutamento, do racionamento e de uma economia de guerra rigidamente controlada, e da virtual abolição, em casa e no exterior, da distinção entre soldados e civis.

A primeira tarefa do regime jacobino foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis e girondinos provincianos e preservar o já mobilizado apoio da massa dos sans-culottes de Paris. Eles aboliram todos os direitos feudais remanescentes e ampliaram as chances do pequeno agricultor adquirir as terras confiscadas. No Haiti aboliram a escravidão para estimular os negros a lutarem contra os ingleses. O fracasso posterior de Napoleão em retomar o controle da ilha foi uma das principais razões que levaram a liquidação das sobras do Império Americano da França que foi vendido em 1803 aos EUA com a venda da Louisiana transformando está república num país continental.

Na França, estabeleceram essa cidadela inexpugnável de pequenos e médios proprietários camponeses, pequenos artesões e lojistas, economicamente retrógados, mas apaixonadamente devotados à Revolução e à República, que tem dominado a vida do país desde então. O poder da Convenção era o povo- as massas parisienses: seu terror, o delas. Quando elas o abandonaram, ela caiu.

A tragédia de Robespierre e da República Jacobina foi que eles mesmos foram abrigados a afastar este apoio. O regime era uma aliança entre a classe média e as massas trabalhadoras. Mas para a classe média jacobina as concessões só eram toleráveis porque ligavam as massas ao regime sem aterrorizar os proprietários. Por fim, as necessidades econômicas da guerra afastaram o suporte popular. Nas cidades o controle de preços e o racionamento beneficiaram as massas, mas o correspondente congelamento de salários as prejudicava. No campo, o confisco sistemático de alimentos (tão solicitado pelos sans-culottes) afastou os camponeses.

A grande fraqueza dos termidorianos era que eles não desfrutavam de nenhum apoio politico (no máximo tolerância) espremidos como estavam entre uma revivida reação aristocrática e os pobres sans-culottes jacobinos de Paris que logo se arrependeram da queda de Robespierre. Cada vez mais tinham que depender do exercito para dispersar a oposição.

O exercito revolucionário foi o mais formidável rebento da República Jacobina. De uma leva em massa de cidadãos revolucionários, ele logo se transformou em uma força de combatentes profissionais, pois não houve recrutamento entre 1793/1798, e os que não tinham gosto ou talento para o militarismo desertaram em massa. Portanto, ele reteve as características da Revolução e adquiriu as características do interesse estabelecido, a típica mistura bonapartista.

A ausência total de serviços sanitários multiplicava as baixas: entre 1800 e 1815 Napoleão perdeu 40% de suas forças (ainda que cerca de um terço pela deserção), mas entre 90% e 98% destas perdas eram de homens que morreram não no campo de batalha, mas sim devido a ferimentos, doenças, exaustão e frio. Um exército que conquistou toda a Europa em curtas e vigorosas rajadas porque podia e tinha que fazê-lo. Para os franceses Napoleão foi o mais bem sucedido governante de sua longa História. Triunfou gloriosamente na exterior, em casa, estabeleceu o mecanismo das instituições francesas como existem até hoje.

A Guerra

Dois tipos muito diferentes de beligerantes confrontaram-se durante aqueles vinte anos: os poderes e os sistemas. A França como Estado, com seus interesses e aspirações, enfrentou (ou aliou-se a) outros Estados do mesmo tipo, por outro lado, a França como revolução inspirou outros povos do mundo a derrubarem a tirania e abraçarem a liberdade.

De uma maneira ampla, praticamente toda pessoa instruída, esclarecida e de talento simpatizava com a Revolução, pelo menos até a ditadura jacobina, e muitas vezes bem depois dela. Na Irlanda, o descontentamento agrário e nacional deu ao “jacobinismo” uma força politica muito além do apoio efetivo de que desfrutava a ideologia maçônica e livre- pensadora dos “Irlandeses Unidos”. Eram rezadas missas pelas vitórias dos ímpios franceses em um país eminentemente católico, e os irlandeses estavam preparadas para saudar a invasão de seu território pelas forças francesas.

É significativo que a tática militar que em nosso século se tornou mais plenamente identificada com a guerrilha revolucionária, a guerrilha, fosse entre 1792 e 1815 um recurso quase exclusivo do lado antifrancês. Na própria França, a Vendeia e os chouans da Bretanha sustentaram com interrupções uma guerra de guerrilhas monarquista de 1793 até 1802. Onde o nacionalismo antifrancês não se baseou nos camponeses, sua importância militar foi desprezível.

No mínimo a vitória sobre os britânicos exigia a destruição de seu comércio, do qual se acreditava corretamente que a Grã-Bretanha dependia; e uma salvaguarda contra a futura recuperação britânica, sua permanente destruição. Era um paralelo a antiga disputa romano-cartaginesa.

Do lado francês, os aliados de maior confiança eram os príncipes germânicos de menor importância, cujos interesses eram de há muito- normalmente em aliança com a França- enfraquecer o poder do imperador da Áustria sobre os principados, ou que sofriam com o crescimento dos prussianos. A Saxônia, de fato, foi o ultimo e mais leal aliado de Napoleão, um fato também parcialmente explicável por seus interesses econômicos, pois, na qualidade de um centro manufatureiro desenvolvido ela se beneficiava do sistema continental napoleônico.

Tecnicamente os velhos exércitos eram mais bem treinados e disciplinados, e onde estas qualidades eram decisivas, como na guerra naval, os franceses foram sensivelmente inferiores. Contudo no que tange à organização improvisada, mobilidade, flexibilidade e acima de tudo pura coragem ofensiva e moral de luta, os franceses não tinham rivais.

Os métodos do exército francês como vimos, implicavam rápidas campanhas em áreas suficientemente ricas e densamente povoadas para que ele pudesse retirar sua manutenção da terra. Isto fracassou totalmente nos amplos, pobres e vazios espaços da Polônia e da Rússia. Napoleão foi derrotado não tanto pelo inverno russo quanto por seu fracasso em manter o Grande Exército com um suprimento adequado. A retirada de Moscou destruiu o exército.

No decorrer dessas décadas de guerra, as fronteiras políticas da Europa foram redesenhadas várias vezes. A mais importante delas foi uma racionalização do mapa politico europeu, especialmente na Alemanha e na Itália. Em termos de geografia politica, a Revolução Francesa pôs fim à Idade Média.

O império morreu em 1806, as antigas repúblicas de Genova e Veneza desapareceram em 1797 e, ao fim da guerra, as cidades alemãs livres tinham sido reduzidas a quatro. Outro típico sobrevivente medieval, o Estado Eclesiástico independente, foi-se da mesma maneira, como os principados episcopais de Colônia, Mainz, Treves, Salzburgo e o resto. Reduziram-se os 234 territórios do Sagrado Império Romano-sem contar os cavaleiros imperiais livres- e seus semelhantes- a 40.

Um caso claro de reforma através da reação foi o da Prússia, onde se instituiu uma forma de libertação camponesa, organizou-se um exército com elementos das massas arregimentadas e levaram-se a termo reformas educacionais, econômicas e legais inteiramente sob o impacto do colapso do exército e do Estado Prussiano em Iena e Auerstaedt. Sabia-se agora que a revolução social era possível, que as nações existiam independentemente de seus governantes, e até mesmo que os pobres existiam independentemente das classes governantes.

A morte nos campos de batalha era um risco pequeno; somente 2% das baixas em Austerlitz e talvez 8% ou 9% das mortes em Waterloo corresponderam de fato às mortes em combate. Os riscos realmente aterradores da guerra eram a negligencia, a sujeira, a má organização, os serviços médicos deficientes e a ignorância em termos higiênicos, que massacravam os feridos, os prisioneiros e, dependendo das condições climáticas, como nos trópicos todos.

Após cinco anos financiando a guerra essencialmente com empréstimos, o governo britânico foi forçado a dar um passo espantoso e sem precedentes; pagar o esforço bélico com a tributação direta, introduzindo um imposto de renda com este proposito (1799/1816). A crescente riqueza do país tornou isto viável. Entre as inovações tecnológicas criadas desta forma pelas guerras napoleônicas e revolucionárias estavam a indústria do açúcar de beterraba no continente (para substituir o açúcar importado das Antilhas) e a indústria de alimentos enlatados (que nasceu da busca, pela marinha britânica, de alimentos que pudessem ser indefinidamente conservados a bordo).

A Paz

A Rússia, a decisiva potência militar terrestre, satisfez suas limitadas ambições territoriais através da aquisição da Finlândia (à custa da Suécia), da Bessarábia (à custa da Turquia) e da maior parte da Polônia, à qual foi assegurada certa autonomia sob o comando da facção local que sempre fora a favor da aliança com os russos.

A Prússia concedeu parte de seus territórios poloneses à Rússia, mas recebeu metade da rica e industrializada Saxônia. Em termos econômicos e territoriais, a Prússia lucrou relativamente mais com a organização de 1815 do que qualquer outra potência, e de fato tornou-se pela primeira vez uma grande potência europeia em termos de recursos reais, embora  este fato não tivesse se tornado claro aos políticos até a década de 1860.

A principal função internacional da Confederação Alemã era manter os estados menores fora da órbita francesa, na qual eles habitualmente tendiam a gravitar. Os estadistas de 1815 trataram de inaugurar um mecanismo para a manutenção da paz por meio de congressos regulares.

A declaração do presidente Monroe não tinha nenhum valor prático- se alguma coisa protegia a independência latino-americana era marinha britânica. Teve apenas um valor profético.

A Questão Oriental- era o que fazer com a inevitável desintegração do Império Turco- transformou os Balcãs e o Oriente num campo de batalha das potências, notadamente a Rússia e a Grã-Bretanha. A questão oriental perturbou o equilíbrio de forças porque tudo conspirava para fortalecer os russos, cujo principal objetivo diplomático, naquela época e também mais tarde, era conquistar o controle dos estreitos entre a Europa e a Ásia Menor, que condicionavam seu acesso ao Mar Mediterrâneo. Dai que a Questão Oriental foi o único a criar uma guerra generalizada entre 154/1856.

Depois de Napoleão a França nunca mais foi capaz de enfrentar sozinha uma coalizão de duas ou mais potências em pé de igualdade e dependendo somente de seus recursos e população. Em 1780 tínhamos quase tanto franceses quanto russos. Em 1830 havia quase uma metade a mais de russos do que de franceses.

As Revoluções

Houve três ondas revolucionárias principais no mundo ocidental entre 1815 e 1848. A primeira ocorreu entre 1820-1824. Na Europa ficou principalmente no Mediterrâneo com Espanha, Nápoles e Grécia como epicentros. Somente nesta última a insurreição prevaleceu.

A segunda onda revolucionária ocorreu entre 1829/1834 e afetou toda Europa a oeste da Rússia e o continente norte-americano, pois a grande época de reformas do presidente Andrew Jackson (1829-1837), embora não diretamente ligada aos levantes europeus, deve ser entendida como parte dela. A onda de 1830 foi muito mais do que a de 1820. De fato, ela marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental. A classe dominante seria pelos próximos 50 anos, a “Grande Burguesia” de banqueiros, grandes industriais, e às vezes, altos funcionários civis, aceita por uma aristocracia que se apagou ou concordou em promover politicas primordialmente burguesas, ainda que não ameaçados pelo sufrágio universal.

Nos EUA, entretanto, a democracia jacksoniana dá uma passo além: a derrota dos proprietários oligarcas antidemocratas (cujo papel correspondia ao que agora estava triunfando na Europa Ocidental) pela ilimitada democracia politica colocada no poder com os votos dos homens da fronteira, dos pequenos fazendeiros e dos pobres das cidades.

A Década de 1830 determina uma inovação ainda mais radical na politica: o aparecimento da classe operaria como força autoconsciente e independente na Grã-Bretanha e na França, e dos movimentos nacionalistas em grande número de países da Europa.

Ainda não havia socialistas ou revolucionários conscientes da classe operaria pelo menos na politica, exceto na Grã- Bretanha, onde uma tendência proletária independente na politica e na ideologia surgiu sob a égide do “cooperativismo” de Robert Owen por volta de 1830.

Todos os movimentos revoltosos tendiam a adotar o mesmo tipo de organização revolucionária, ou até mesmo organizacional: a secreta irmandade insurrecional. As mais conhecidas, por serem as mais internacionais, eram os “bons primos” ou carbonários. As revoluções de 1830 também introduziram outras duas modificações na politica de esquerda. Elas separaram os moderados dos radicais e criaram uma nova situação internacional. Ao fazê-lo, elas ajudaram a dividir o movimento não só em diferentes segmentos sociais mas também nacionais.

Os problemas da Revolução eram semelhantes a leste e a oeste. Eles provocavam grandes tensões entre os radicais e os moderados. No oeste os liberais-moderados saíram da frente comum de oposição à Restauração para assumirem o governo ou um governo em potencial. Além disto, alcançado o poder pelos esforços dos radicais, eles imediatamente os traiam. Não se devia brincar com coisas tão perigosas como a democracia e a república. O que anteriormente era democracia seria agora anarquia; o espirito democrático, hoje e por muito tempo, não é e nem será nada senão o espirito revolucionário.

Mais que isto: após um pequeno intervalo de tolerância e zelo, os liberais tenderam a moderar seu entusiasmo reformista e a suprimir a esquerda radical, especialmente os revolucionários da classe operaria. O desapontamento com o fracasso dos franceses, junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o internacionalismo unificado a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração.

Nacionalismo

Os grandes proponentes do nacionalismo da classe média neste estagio foram as camadas medias e inferiores das categorias profissionais, administrativas e intelectuais, ou seja, as classes educadas. O analfabetismo não se constitui em um obstáculo a consciência politica, mas não há de fato qualquer prova de que o nacionalismo do tipo moderno fosse uma poderosa força de massa exceto em países já transformados pela revolução dupla: na França, na Grã- Bretanha, Nos EUA e- por ser um país dependente politica e economicamente da Grã-Bretanha- na Irlanda. Contudo, para as massas em geral, o teste de nacionalidade ainda era a religião: o espanhol era definido por ser católico, o russo por ser ortodoxo.

Na verdade, podemos falar apenas de um movimento nacional no ocidente, organizado de forma coerente antes de 1848, que foi genuinamente baseado nas massas, e até mesmo este movimento gozava da enorme vantagem da identificação com o mais forte portador da tradição, a Igreja. Foi o movimento irlandês de revogação sob a liderança de Daniel O Connell, advogado demagogo e eloquente de origem camponesa. A Associação Católica dirigida por este, que adquiriu o apoio das massas e a confiança não totalmente justificada do clero na vitoriosa luta pela Emancipação Católica (1829), não estava absolutamente ligada à pequena nobreza, que era de todo modo, protestante e anglo-irlandesa.

O nacionalismo no Oriente foi um produto da influencia e da conquista ocidental. O elo é evidente no país plenamente oriental em que se foram implantados os princípios do que viria a se tornar o primeiro movimento nacionalista moderno das colônias: o Egito.

Parte 2: os resultados

A Terra

O impacto da revolução dupla sobre a propriedade e o aluguel da terra e sobre a agricultura foi o mais catastrófico fenômeno do período. Pois nem a revolução política nem a econômica podiam desprezar a terra, que a primeira escola de economistas, a dos fisiocratas, considerava a única fonte de riqueza. O gelo dos sistemas tradicionais agrários tinha que ser derretido para que a terra pudesse arada pelas forças da empresa privada em busca do lucro.

Isto implicava três tipos de mudança. Em primeiro lugar, a terra tinha de ser transformada em uma mercadoria, possuída por proprietários privados e livremente negociável por eles. Em segundo, tinha que passar a ser propriedade de uma classe de homens desejosos de desenvolver seus recursos produtivos para o mercado e estimulados pela razão. Em terceiro lugar, a grande massa da população rural deveria ser transformada de algum modo, ao menos em parte, em trabalhadores assalariados, com liberdade de movimento, para o crescente setor não agrícola da economia.

Havia dois grandes obstáculos para isto, e ambos exigiam uma combinação de ação politica e econômica: os proprietários de terra pré-capitalistas e o campesinato tradicional. Por seu turno, a tarefa podia ser cumprida de vários modos. Os mais radicais foram os americanos e britânicos que eliminaram o campesinato. Os prussianos transformaram os próprios proprietários feudais em fazendeiros capitalistas e seus servos em trabalhadores contratados.

Como vimos, seu primeiro objetivo foi transformar a terra em uma mercadoria. Os vínculos e outras demais proibições de venda ou dispersão que se aplicavam às terras dos nobres deveriam ser quebradas e seus donos sujeitos a penalidade de bancarrota e perda da posse. Na maior parte da Europa isto significava que o complexo de regras politicas e legais comumente conhecidas como “feudalismo” tinha que ser abolido onde já não estivesse ausente. Podemos dizer que no período de 1789 à 1848, isto foi implementado- da Península Ibérica até a Prússia Oriental e do Báltico até a Sicília, na maior parte por influencias diretas ou não da Revolução Francesa. Tais mudanças chegaram à Europa Central em 1848, e na Rússia e na Romênia na década de 1860.

A lei dos Pobres da Inglaterra de 1834 foi projetada para tornar a vida tão intolerável aos pobres do campo para que eles se vissem coagidos a abandonar a terra em busca de qualquer emprego que lhes fosse oferecido. Na década de 1850 a fuga do campo se tornou generalizada.

A influência da Revolução Francesa, o argumento econômico racional dos servidores civis e a ganancia da nobreza determinaram a emancipação dos camponeses na Prússia entre 1807 e 1816.

Os camponeses não se transformaram automaticamente, como se esperava, na classe empreendedora de pequenos proprietários. E isto pelo simples fato de que, conquanto quisessem a terra, os camponeses raramente queriam uma economia agrária burguesa. Pois o velho sistema tradicional, embora ineficaz e opressor, era também um sistema de considerável certeza social e, em um nível bastante miserável, de alguma segurança econômica, para não falarmos que era consagrado pelo costume e tradição. A revolução legal, do ponto de vista do camponês, não lhe deu nada exceto alguns direitos legais, mas lhe tomou bastante. Na Prússia, por exemplo, receberam de dois terços ou metade das terras que já cultivavam. Mas perderam o direito de reivindicar a assistência de seu antigo senhor feudal em tempos de fome ou má colheita e uso das florestas e pastos comuns.

A divisão do campo comum, do pasto e da floresta, com a colocação de cercas, simplesmente retirou do camponês pobre ou do aldeão os recursos ou reservas ao que ele, como parte da comunidade, sentia ter direito.

Se excetuarmos a Revolução camponesa da França, virtualmente todos os movimentos camponeses importantes em nosso período que não foram dirigidos contra um rei ou igreja estrangeira o foram ostensivamente a favor do sacerdote e do governante. Os camponeses do sul da Itália juntaram-se ao subproletariado urbano para fazer uma contrarrevolução social contra os jacobinos napolitanos e os franceses em 1799, em nome da Sagrada Fé e dos Bourbon.

Os direitos senhoriais da Índia pré-britanica repousavam de maneira genérica, em dois firmes pilares: a terra pertencia- de fato e de direito- a coletividades autogovernadas (clã, tribos, comunas de aldeias, irmandades), eo governo recebia uma parte de sua produção. O que aconteceu na Índia foi simplesmente a virtual destruição, em algumas décadas, do que tinha sido uma florescente indústria doméstica e de aldeia que suplementava os rendimentos rurais; em outras palavras, a desindustrialização da Índia.

A situação da Irlanda era mais dramática. Aqui, uma população de pequenos arrendatários economicamente atrasados, extremamente inseguros e praticando uma agricultura de subsistência pagava rendas altíssimas a um pequeno grupo de proprietários de terras estrangeiros.  Um camponês francês que olhasse pra seus colegas do outro lado do Canal da Mancha em 1840 e comparasse sua situação ao trabalhador inglês certamente perceberia rápido que fizera melhor negocio. O mesmo pode ser dito dos fazendeiros ianques.

Mundo Industrial

Em 1830, havia, somente uma cidade ocidental com mais de 1 milhão de habitantes (Londres), uma de mais de meio milhão (Paris) e- tirando a Grã- Bretanha- somente 19 cidades europeias com mais de 100  mil habitantes.

A crise econômica que ateou fogo a tamanha parte da Europa em 1846/48 foi uma depressão do velho estilo, predominantemente agrária. Foi de certa forma a última, e talvez a pior, catástrofe econômica do antigo regime. Tal não se deu na Grã-Bretanha, onde a pior recessão do período inicial do industrialismo se deu entre 1839 e 1842. Se a fome se tornou menos ameaçadora neste período no ocidente foi primordialmente devido às melhorias no transporte, bem como, é claro, à melhoria geral na eficiência do governo e administração.

A despeito de suas vantagens e inicio pioneiro, a França nunca se tornou uma potencia industrial de maior importância em comparação com a Grã-Bretanha, a Alemanha e os EUA. A parte capitalista da economia francesa era uma superestrutura erguida sobre a base imóvel do campesinato e da pequena burguesia. Os trabalhadores livres destituídos das terras simplesmente vinham pouco a pouco para as cidades. A empresa privada e o crescimento econômico caminham juntos somente quando este último propicia lucros mais altos para a primeira do que para as outras formas de negocio.

De todas as consequências econômicas da revolução dupla, esta divisão entre países “adiantados” e países “atrasados” provou ser a mais profunda e duradoura.

Carreiras abertas ao talento

O principal da Revolução na França foi o de por fim à sociedade aristocrática. Não à aristocracia, no sentido da hierarquia de status social distinguido por títulos ou outras marcas visíveis de exclusividade, e muitas vezes se moldava no protótipo dessas hierarquias, a nobreza de “sangue”. O fim da sociedade aristocrática também não significou o fim da influência aristocrática. As classes em ascensão geralmente tendem a ver os símbolos de sua riqueza e poder em termos daquilo que seus antigos grupos superiores tinham estabelecido como os padrões de conforto, luxo e pompa. A Revolução preservou de muitas maneiras as características aristocráticas da cultura francesa de forma excepcionalmente pura.

O ensino, ainda que somente o ensino eclesiástico, tinha o seu lugar socialmente valorizado e aceito na sociedade tradicional; de fato, tinha um lugar mais eminente do que na sociedade totalmente burguesa. O principal resultado social da abertura da instrução ao talento foi, assim, paradoxal. Ele criou não a “sociedade aberta” da livre competição comercial, as sim a “sociedade fechada” da burocracia; mas ambas, em suas várias formas, eram instituições características da era liberal burguesa.

É um erro elementar acreditar que o Liberalismo era hostil à burocracia. Ele era somente hostil à burocracia ineficaz, à interferência pública em assuntos que ficariam melhores se deixados para empresa privada, e à tributação excessiva.

Antes da emancipação preparada pelo racionalismo do século XVIII e trazida pela Revolução Francesa, só havia dois caminhos de ascensão para os judeus: o comércio ou as finanças. O fato de ser uma minoria e esmagadoramente urbanos tornava os judeus excepcionalmente aptos a serem assimilados pela sociedade burguesa.

Os trabalhadores pobres

A introdução de um sistema individualista puramente utilitário de comportamento social, a selvagem anarquia da sociedade burguesa, teoricamente justificada por seu lema “cada um por si e Deus por todos”, parecia aos homens criados nas sociedades tradicionais pouco melhor que a maldade desenfreada.

A consequência mais evidente da deterioração urbana foi o reaparecimento das grandes epidemias de doenças contagiosas (principalmente as transmitidas pela água), notadamente a cólera que reconquistou a Europa a partir de 1831 e varreu o continente.

A expectativa media de vida na década de 1840 era duas vezes maior entre os trabalhadores rurais do que entre os trabalhadores de Manchester ou de Liverpool.

A fase inicial da Revolução Industrial, como já vimos, não levou todos os trabalhadores para as fábricas mecanizadas. Pelo contrário, em torno de poucos setores mecanizados da produção em grande escala, ela multiplicou o número de artesãos pré-industriais, de certos tipos de trabalhadores qualificados e do exército de mão-de-obra doméstica, frequentemente melhorando suas condições, especialmente em tempos de escassez de mão-de-obra no período das guerras. Com o avanço impessoal e poderoso da máquina e do mercado, nas décadas de 1820 e 1830, eles começaram a ficar de lado.

O movimento operário proporcionou uma resposta ao grito do homem pobre. Era necessária uma eterna vigilância, organização e atividade do “movimento”- o sindicato, a sociedade cooperativa ou mútua. Mas a  própria novidade e a rapidez da mudança social que os envolvia, encorajava os trabalhadores a pensar em termos de uma sociedade totalmente diversa, baseada na sua experiência e em suas ideias em oposição às de seus opressores. Seria cooperativa e não competitiva, coletivista e não individualista.

O movimento trabalhista deste período, portanto, não foi estritamente um “movimento proletário” nem em sua composição nem em sua ideologia e programa. Foi antes uma frente comum de todas as forças e tendências que representavam o trabalhador pobre, principalmente urbano. Esta frente comum existia há muito tempo, mas desde a Revolução Francesa sua liderança e inspiração vinham da classe média liberal e radical.

Os trabalhadores pobres mais ativos, militantes e politicamente conscientes não eram os novos proletários fabris, mas os artífices qualificados, os artesãos independentes, os empregados domésticos de pouca importância e os outros que viviam a trabalhavam substancialmente da mesma forma que antes da revolução industrial, mas sob pressão bem maior.

Havia apenas uma exceção. Somente na Grã-Bretanha, os novos proletários já tinham começado a se organizar e, até mesmo, a criar seus próprios líderes. O movimento trabalhista foi uma organização de autodefesa, de protesto e de revolução. Mas para os trabalhadores pobres eram mais do que um instrumento de luta: era também um modo de vida.

Ideologia Religiosa

O Ateísmo declarado ainda era relativamente raro, mas entre os escritores, eruditos e cavalheiros que ditavam as modas intelectuais do final do século XVIII, o cristianismo franco era ainda mais raro. Se havia uma religião florescente entre a elite do final do século XVIII, esta era a maçonaria racionalista, iluminista e anticlerical.

A Burguesia permanecia assim, dividida, entre uma minoria cada vez maior de livres pensadores e uma maioria de católicos, protestantes e judeus devotos. A tendência foi reforçada pelo ataque direto de numerosos regimes políticos contra a propriedade e privilégios legais das igrejas estabelecidas e de seu clero. Bem como os governos e outras agências buscavam assumir as funções até então atribuídas, em grande parte, as ordens religiosas, especialmente- nos países católicos romanos- a educação e a beneficência social.

O islamismo continuava sua expansão silenciosa, gradativa e irreversível, sem o apoio do esforço missionário organizado ou da conversão forçada, o que é uma característica desta religião. Ele se expandiu tanto para o Oriente (na Indonésia e noroeste da China) quanto para o Ocidente ( do Sudão ao Senegal). Os puritanos Wahabistas tinham surgido na Arábia na metade do século XVIII. Por volta de 1814 tinham conquistado a Arábia e estavam dispostos a conquistar a Síria, até que foram detidos pela aliança do ocidentalizador Mohammed Ali, do Egito, e das armas ocidentais.

O fermento da expansão do islamismo era tal, que em termos de historia puramente religiosa, podemos, talvez, melhor descrever o período que vai de 1789 a 1848 como o período do renascimento do islamismo mundial.

As novas seitas e tendências protestantes foram inicialmente apolíticas, ou até mesmo, conservadoras. Suas energias “politicas”, em geral, se voltavam para campanhas morais e religiosas, como as que multiplicaram as missões estrangeiras, o antiescravagismo e a moderação dos costumes.

Em termos puramente religiosos, portanto, nosso período foi de uma crescente secularização e indiferença religiosa (na Europa), combatidas pelo despertar da religião em suas formas mais intransigentes, irracionais e emocionalmente compulsivas.

Para a maioria dos governos estabelecidos, bastava que o jacobinismo ameaçasse o trono e que as igrejas o preservassem. Entretanto, para um grupo de intelectuais e ideólogos românticos, a aliança entre o trono e o altar tinha um significado mais profundo: o de preservar uma velha sociedade viva e orgânica contra a corrosão da razão e o liberalismo.

Assim grupos de jovens exaltados fugiam dos horrores do intelecto em direção aos braços hospitaleiros de Roma, e abraçavam o celibato, as torturas do ascetismo, os escritos dos padres, ou simplesmente o ritual caloroso e esteticamente satisfatório da Igreja com uma apaixonada entrega. Em sua maioria eram provenientes como era de se esperar, de países protestantes: os românticos alemães eram em geral prussianos.

Ideologia secular

Uma nova ideologia, o Socialismo, voltava a formular os axiomas do século XVIII. A razão, a ciência e o progresso eram suas bases firmes. O que distinguiu os socialistas de nosso período dos paladinos de uma sociedade perfeita de propriedade comum era a aceitação incondicional da revolução industrial que criava a verdadeira possibilidade do socialismo moderno. O conde Claude de Saint Simon, que é por tradição reconhecido como o primeiro “socialista utópico”, foi antes de tudo o apostolo do industrialismo e dos industrialistas.

Na Grã-Bretanha, Robert Owen foi um pioneiro muito bem sucedido da indústria algodoeira, e extraiu sua confiança na possibilidade de uma sociedade melhor por sua firme crença no aperfeiçoamento humano através da sociedade. Nenhum dos novos socialistas desejava retardar a hora da evolução social. Os novos socialistas partilhavam da ideia da sociedade como lar do homem, mas também do conceito de que antes da imposição da sociedade de classes e da propriedade o homem tinha de uma forma ou de outra, vivido em harmonia.

Os críticos liberais recentes tem atacado Rousseau como o precursor do totalitarismo de esquerda. Mas, de fato, ele não exerceu nenhuma influência sobre a principal tradição do comunismo moderno e do marxismo. Seus seguidores típicos foram, e ainda são, os radicais pequeno-burgueses do tipo jacobino, jeffersoniano ou mazziniano: fanáticos da democracia, do nacionalismo e de um Estado de pequenos homens independentes com igual distribuição de propriedade. Em nosso período era considerado o paladino da igualdade, da liberdade contra a tirania e a exploração e da democracia contra a tirania.

Vemos uma frieza muito marcante do pensamento alemão em relação ao liberalismo clássico. Os lugares comuns liberais- materialismo, empirismo filosófico, Newton, a análise cartesiana e o resto- desagradavam muito a maioria dos pensadores alemães; em troca, o misticismo, o simbolismo e as vastas generalizações sobre conjuntos orgânicos os atraiam visivelmente. Possivelmente uma reação nacionalista contra a cultura francesa predominante no inicio do século XVIII intensificava este teutonismo do pensamento germânico.

A filosofia clássica alemã foi, devemos sempre nos lembrar disto, um fenômeno verdadeiramente burguês. Todas as suas principais figuras saudaram com entusiasmo a Revolução Francesa e de fato permaneceram leais a ela durante um considerável tempo.

Contudo, desde o principio, a filosofia alemã diferia do liberalismo clássico em dois importantes aspectos. Em primeiro lugar, era deliberadamente idealista e rejeitava o materialismo ou empirismo da tradição clássica. Em segundo lugar, o ponto de partida de Hegel é o coletivo, que ele vê se desintegrando em indivíduos sob o impacto do desenvolvimento histórico.

As Artes

Se fôssemos resumir as relações entre os artistas e a sociedade desta época em uma só frase, poderíamos dizer que a Revolução Francesa inspirava-o com seu exemplo, que a Revolução Industrial com seu horror. O elemento demoníaco na acumulação capitalista, a busca ininterrupta e ilimitada de mais, além dos cálculos da racionalidade e do proposito, a necessidade ou dos os extremos do luxo, tudo isto os encantava. Alguns dos seus heróis mais característicos, Fausto e Don Juan, compartilhavam esta insaciável ganancia com os bucaneiros do mundo dos negócios.

A Ciência

Foi a descoberta da História como um processo de evolução lógica, e não simplesmente como uma sucessão cronológica de acontecimentos. Os elos desta inovação com a revolução dupla são tão óbvios que não precisam ser explicados. Assim, o que veio a se chamar sociologia (palavra inventada por Auguste Comte por volta de 1830) nasceu diretamente da crítica ao Capitalismo. O próprio Comte, que normalmente é considerado o pai desta ciência começou sua carreira como secretario do conde de Saint Simon.

A criação da Historia como disciplina acadêmica talvez seja o aspecto menos importante desta historiografia das ciências sociais. Uma epidemia de historiadores tomou conta da Europa na primeira metade do século XIX.

Um obscuro subproduto deste desenvolvimento das ciências sócias deve ser mencionado: a teoria das raças. A existência das diferentes raças (ou melhor, cores) de homens tinha sido muito discutida no século XVIII, quando o problema da criação única ou múltipla do homem preocupava também os espíritos de reflexão. A fronteira entre monogenistas e poligenistas não era simples.  O primeiro grupo reunia defensores da evolução e da igualdade humana. O segundo grupo incluía não só cientistas de boa fé, mas também racistas e escravagistas provenientes do sul dos EUA.

Rumo a 1848

Nunca em toda historia do mundo, uma única potência havia exercido uma hegemonia mundial como a dos britânicos na metade do século XIX, pois mesmo os maiores impérios ou hegemonias do passado tinham sido meramente regionais- como no caso dos chineses, dos maometanos e dos romanos. Dede então, nenhuma outra potência jamais conseguiu estabelecer uma hegemonia comparável, nem há possibilidades de que isto venha a acontecer no futuro, já que nenhuma potência poderá reivindicar para si o título de “oficina do mundo”.

Após, pois, um cataclismo econômico europeu coincidiu com a visível corrosão dos antigos regimes. Um camponês que se insurgia na Galícia, a eleição de um “papa liberal” no mesmo ano, uma guerra civil entre radicais e católicos na Suíça no fim de 1847, vencida pelos radicais foram uma indicação previa do que estava por vir.